Anorexia nervosa
A sociedade ao longo dos tempos sempre procurou estabelecer padrões estéticos e comportamentais aos seus indivíduos. Estes padrões variam de cultura a cultura e vão se alterando, pressionando as pessoas a se adaptarem de maneira a serem aceitos.
Na idade média, mulheres com sobrepeso eram valorizadas. Suas curvas acentuadas simbolizavam saúde, fertilidade e beleza. Com o passar do tempo, o padrão “fortinho” foi dando espaço para, silhuetas mais longilíneas, menor quantidade de curvas e menor quantidade de gordura. Atualmente, encontramos especialmente na cultura brasileira uma divisão de padrões estéticos, entre o corpo malhado, com modelos desfilando corpos em biquínis, com maior quantidade de massa muscular, e aquele da referência estética da moda, com manequins extremamente magras e altas.
O bombardeio da mídia sobre a população com estes padrões esteticamente perfeitos, resulta em diversos reflexos, como a venda desenfreada de medicamentos emagrecedores, a intervenções cirúrgicas e a prática da atividade física desordenada, entre outras formas de buscar o corpo ideal.
Neste contexto, no qual impera uma ditadura estética, surge um crescimento no desenvolvimento de distúrbios relacionados à alimentação e a imagem, o que dispara um alerta à sociedade e, sobretudo aos profissionais da área da saúde.
Um desses distúrbios, a anorexia nervosa (an = ausência e órexis = apetite), é descrita pelo manual de classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde da Organização Mundial da Saúde como um transtorno caracterizado por perda de peso intencional, induzido e mantido pelo paciente. Os primeiros relatos de acometimento de tal transtorno datam de mais de 300 anos (Weiselberg et al., 2011, WHO, 2011).
Como critérios para determinação de um quadro de anorexia estão: perda de peso e/ou a manutenção abaixo do normal (IMC ≤17,5 kg/m2) ou peso menor do que 85% do esperado para a idade e altura, perda de peso auto-induzida pela recusa em se alimentar , medo de engordar e percepção de estar muito gorda (o), distúrbio endócrino envolvendo o eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal (amenorréia), atraso no desenvolvimento puberal, vômitos auto-induzidos, purgação e uso de inibidores do apetite e/ou diuréticos.
A anorexia nervosa ocorre predominantemente em mulheres na faixa entre 17 e 24 anos (Klein et al., 2003). Estima-se que a incidência dessa patologia gire em torno de 0,5 a 1% da população mundial e que a taxa de mortalidade seja maior do que qualquer outra doença psiquiátrica (Van Son et al., 2006).
É interessante destacar que os quadros de anorexia nervosa são quase sempre acompanhantos de elevadas taxas de depressão ou distúrbios de ansiedade. Princialmente devido a algumas caracterísiticas em sua personalidade como o perfeccionismo, a rigidez nas decisões e a obsessividade (Herzog et al., 1996).
Agora quando a doença se inicia antes da puberdade, problemas relacionados ao desenvolvimento e ao crescimento podem ser evidenciados como: comprometimento de estatura, amenorréia, osteoporose entre outros. As causas que levam ao aparecimento da anorexia ainda não estão totalmente esclarecidas . O mal funcionamento da produção de neuropeptídeos, problemas de ordem fisiológicas, sociais ou psicológicas podem aparecer como possíveis elementos que podem levar à doença. Porém, pesquisas indicam que fatores genéticos também podem favorecer (Klump et al., 2001).
O tratamento da anorexia inclui o uso de medicamentos antidepressivos, estimuladores que auxiliam o aumento do apetite (Lask et al., 1996), dietas e suplementos que equilibram e normalizam a ingestão de nutrientes, minerais e vitaminas (American Dietetic Association, 1994) e a psicoterapia cognitiva e familiar que contribui na formação e melhora da auto imagem, aceitação e diminuir o sofrimento .
O insucesso das intervenções no tratamento da anorexia nervosa está no fato do resultado final do tratamento colocar os pacientes face ao seu maior temor que é o ganho de peso.
Como conseqüência de períodos grandes do desenvolvimento da doença está o funcionamento inadequado de diversos eixos neuro endócrinos como o eixo hipotálamo-pituitário-gonadal e o eixo hipotálamo-pituitário-adrenal, com reflexos na diminuição nos níveis de GH, IGF-1, leptina, adiponectina, peptídeo YY, causando entre outros efeitos perda de massa muscular, perda na massa mineral óssea, com ocorrências de osteopenia e osteoporose (Soyka et al., 1999; Grinspoon et al ., 2000; Misra et al., 2011).
Um dado que merece atenção é que muitos indivíduos com quadro de anorexia, normalmente estão engajados na prática da atividade física como forma de potencializar os resultados obtidos com a restrição da alimentação. Não é difícil de encontrar adolescentes e jovens em academias e clubes, em busca do corpo perfeito, com transtorno de imagem, engajadas em volumes excessivos de atividades.
Para se ter uma idéia, Dalle Grave e colaboradores em 2009 encontraram prevalência de 45% de indivíduos com compulsão por exercícios em um grupo de anoréxicos nervosos.
O conhecimento das características dos indivíduos com anorexia é de fundamental importância para que profissionais que prescrevam treinamentos possam identificar de maneira precoce o desenvolvimento da patologia de forma a orientar o aluno e a família na melhor forma de tratamento da doença antes que ela possa causar efeitos deletérios, alguns irreversíveis a saúde.
Referências Bibliográficas
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