Em nossa sociedade atual, o número de novas informações aumento em uma velocidade incrível. Em nenhum momento da história da humanidade fomos tão bombardeados por informações. Neste mesmo sentido, a quantidade de publicações envolvendo a saúde e, principalmente, a atividade física surpreendeu até mesmo os profissionais da área. Artigos que defendem todos os tipos de teorias, desde as mais mirabolantes até as confirmações de bases já consolidadas (se isto em ciência existe). Portanto, existe uma necessidade urgente e básica de se saber como ler um artigo e da forma de se posicionar diante dele. Este artigo tem o propósito de identificar tópicos que facilitem a compreensão, a busca de um pensamento crítico da literatura científica atual e uma nova mentalidade para os profissionais de educação física.
O texto é coerente?
Ao ler um livro, artigo ou texto é importante identificar a mensagem que o autor deseja passar, o que propõe transmitir ao leitor. Porém, devido a uma inconsistência da teoria ou da mensagem que se retrata e a poucos argumentos, o texto muitas vezes se mostra incoerente. Enfim, o texto cria uma solução e não a verifica3.
Quem propôs a idéia e aonde foi publicado.
Todos, enquanto humanos, estão propensos ao erro, entretanto autores famosos e de ampla autoridade na área (quem nunca ouviu falar de KRAEMER, FLECK e ENOKA na área de treinamento físico?), tem em seus artigos uma boa reputação, e também conseguem desenvolver trabalhos consistentes e imparciais, podendo propor idéias conflitantes com os dogmas da ciência atual. São autores que conseguem capital para suas pesquisas sem ficarem presos a grandes corporações.
Outro aspecto importante é em qual periódico o artigo foi publicado. Jornais como o European Journal of Applied Physiology, Journal Applied Physiology, Medicine and Science in Sports and Exercise e outros, passam por uma bateria de testes e revisões científicas para serem aceitos e publicados, podendo levar um ano para percorrer estas etapas. Entretanto, existem jornais que devido a sua pouca divulgação, publicam artigos contando apenas com pequeno incentivo financeiro para ser publicado.
De que modo o autor está ligado a teoria
Para toda hipótese estudada pelo autor do artigo, uma tese é formulada em relação aos conceitos oriundos do seu conhecimento, entretanto os autores podem se ligar à teoria de forma a torná-la parte de si próprio, e todas vezes que a teoria é questionada, o indivíduo leva como crítica a ele mesmo. É a obsessão do autor pela sua teoria, da qual não se liberta mesmo quando esta não é confirmada pela observação.
É o caso de um estudo de periodização no qual foi comparado o treino periodizado e o progressivo5. O treino progressivo teve melhores resultados do que o treino periodizado em um período de 15 semanas, porém, para não enfraquecer a defesa da periodização no treino de força, foi considerada a hipótese de que o treino periodizado tem sua eficiência em programas a médio e longo prazo. Uma conclusão verdadeiramente absurda, uma vez que não foi este o fato comprovado e também não foi a hipótese testada. O citado artigo foi publicado no Jounal of Strength and Conditioning Research, que tem como editor chefe nada mais que KRAMER, defensor feroz do treino periodizado4. Será que o treino periodizado é realmente eficaz? Se levarmos em consideração a conclusão, veremos que é totalmente contrária ao artigo. Então por que chegaram a esta conclusão? Provavelmente, devido aos autores estarem atrelados à obsessão de comprovar idéias que acreditam ser inquestionáveis, verdadeiros dogmas.
Outros exemplos seriam os autores que defendem a hipertrofia miofibrilar e sarcomlasmática sem nenhuma confirmação científica. Vários autores tentam justificar e provar que existem, entretanto, sem nenhum embasamento científico, somente teses próprias (veja mais em ).
Outros fatores importantes são as características econômicas a que os autores podem estar ligados em seus artigos. Grandes industrias patrocinam estudos que (é claro) defendam seus produtos, mostrando vantagens que muitas vezes não são reais. É o caso dos artigos HMB ligados ao autor NISSEN8,9,10,11,12 e sua ligação com a patente do produto (veja mais em ). Muitas vezes autores consagrados como CLARKSON, com várias publicações no Medicine and Scienca in Sports and Exercise1,2 , escrevem artigos que são publicados e patrocinados por grandes empresas, neste exato caso, a GATORADE. Será que o estudo é completamente isento de motivações financeiras? É interessante notar que todos os artigos publicados e patrocinados pela GATORADE1,2 sempre (lógico) apresentaram vantagens no consumo desta bebida. O questionamento do grau de confiabilidade destes estudos fica ao encargo do leitor.
Como é utilizada a estatística e como são os critérios de avaliação?
A amostra não será sempre a referência em um estudo, mesmo se trabalhássemos com uma amostra de 10%, o que já seria um valor altíssimo para a maioria dos trabalhos envolvendo atividade física (veja os artigos atuais e verá que a maioria trabalha com no máximo, 20 pessoas devido à tentativa de fechar os parâmetros de dissociação). Exemplificando, um estudo de obesidade deve considerar a predisposição genética, a dieta, a atividade física, hábitos como fumar e tantos outros. Ainda assim, seria difícil tirar conclusões globais, logo que as diferenças regionais, alimentares, físicas são características marcantes da espécie humana.
Várias situações podem ser estabelecidas se as estatísticas forem manipuladas3.
Conclusão
Portanto, uma análise levando em consideração não só o artigo, mas todas as características que possibilitam a sua publicação deve ser realizada, avaliando e criticado o material para um crescimento do pensamento crítico que a comunidade científica exige. É importante que deixemos de ser apenas reprodutores de artigos para sermos pesquisadores, com novas idéias e conhecimento sobre o assunto.
Obs:
Este é apenas um passo. Vários outros pontos poderiam ser abordados, e o importante é que cada um crie seu método de ler e assimilar um artigo, como também criticá-lo, seja positivamente ou negativamente (veja que no texto acima se fala positivamente e negativamente de mesmos autores como KRAEMER E CLARKSON, o válido é verificar o que é bom e o que é ruim de cada artigo).
Referencias Bibliográficas
1. CLARKSON, P. M. Exercise-induced muscle damage: animal and human models. Medicine and Science in Sports and Exercise. 1992; 24: 510-511.
2. CLARKSON, P. M., NOSAKA, K & BRAUN, B. Muscle function after exercise-induced muscle damage and rapid adaptation. Medicine and Science in Sports and Exercise. 1992;24: 512-520.
3. EHRLICH, ROBERT. – As Nove Idéias Mais Malucas da Ciência. Editora Ediouro, 2002, São Paulo.
4. FLECK, STEVEN J. & KRAEMER, WLLIAM J. Fundamentos do treinamento de força muscular. Editora Artes Médicas, 1999.
5. HERRICK, A. B; STONE, W. J. – The effects of periodization versus progressive resistence exercise on upper and lower body strength in women. J. Strength and Cond. Res. 10 (2): 72-76, 1996.
6. LAMB, David R.; SHEHATA, Adel Helmy – Benefícios e Limitações da Pré- hidratação _ Sports Science Exchange – 1999
7. MURRAY, BOB. Reposição de fluídos. Sports Science Exchange – 1997
8. NISSEN S, FAIDLEY TD, ZIMMERMAN DR, IZARD R, FISHER CT. Colostral milk fat percentage and pig performance are enhanced by feeding the leucine metabolite beta-hydroxy-beta-methyl butyrate to sows. J Anim Sci. 1994;72: 2332-2337.
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11. NISSEN S, SHARP R, RAY M, RATHMACHER JA, RICE D, FULLER JC, CONNELLY AS, ABUMRAD N. Effect of leucine metabolite beta-hydroxy-beta-methylbutyrate on muscle metabolism during resistance-exercise training. J Appl Physiol 1996 Nov;81(5):2095-104.
12. NISSEN S, SHARP RL, PANTON L, VUKOVICH M, TRAPPE S, FULLER JC. beta-hydroxy-beta-methylbutyrate (HMB) supplementation in humans is safe and may decrease cardiovascular risk factors. J Nutr 2000 Aug;130(8):1937-45.