Eletroestimulação, suas mentiras, incoerências e suas falsas promessas

Por Paulo Gentil

4 de setembro de 2018

Antes de iniciar o texto, é importante destacar que ele não é referente ao uso do recurso para reabilitação e sim sobre algumas promessas que vem sendo feitas, especialmente no tocante aos benefícios estéticos.

O princípio da elestroestimulação é simular a passagem do impulso nervoso, levando o músculo a contrair sem a necessidade de um comendo do seu sistema nervoso central. Isso poderia ser benéfico quando não há possibilidade de gerar movimentos ou contrações voluntárias, como em lesões neurais ou imobilizações. Os vendedores também fazem promessas que não tem lógica. Por exemplo, emagrecer, acabar com a celulite e produzir colágeno. A gordura não “morre eletrocutada”, ela é eliminada por um processo complexo de quebra e oxidação. Da mesma forma, o colágeno não seria produzido meramente por um choque externo e sim por um complexo sistema de reações.

Interessante que os vendedores alegam, falsamente, que a literatura científica dá amparo às suas promessas e alguns inclusive citam estudos em muitos dos seus sites. Mas os próprios estudos citados são contrários ao que vendem. Alguns estudos usados, como os Kemmler et al. (2013), Kemmler et al. (2017), Humbert et al. (2009), Wittman et al. (2016) e Van Buuren et al. (2015) sugerem que a eletroestimulação pode ser benéfica para idosos, diabéticos, etc. No entanto, esses estudos fazem uma comparação entre eletroestimulação e não fazer NADA, ou seja, não fazem comparações com uma intervenção tradicional. Ademais, se avaliarmos os resultados reais obtidos com eletroestimulação, vemos que os efeitos reportados, mesmo em idosos, não justificam a propaganda. Por exemplo, estudos de von Stengel (2015) e Kemmler & von Stengel (2013) usaram eletroestimulação em pessoas de idade avançadas por mais de UM ANO, e não reportaram melhoras na densidade óssea. Com relação à composição corporal, houve ganho de apenas 0,5% na massa muscular e perda de 1,2% da gordura abdominal. Lembrando que isso foi em mais de um ano!! Uma pequena olhada na literatura o fará encontrar muitos estudos que encontraram dezenas de vezes superiores em períodos mais curtos!

Estudos em jovens feitos por Kemmler et al. ( 2016a, 2016b) reportaram que, após 4 meses, pessoas destreinadas reduziram em 1% o percentual de gordura e ganharam 600g de massa magra, algo bem distante das promessas e facilmente alcançado com abordagens tradicionais de exercício. Antes disso, Kemmler et al. ( 2010) não encontraram aumento no metabolismo de repouso com eletroestimulação e nem diferenças na perda de peso em relação a quem não fez NADA. De modo similar, Porcari et al. (2002) afirmam que EMS não tem efeito na composição corporal, força e aparência física e concluem que as promessas associadas ao produto não se justificam. De fato, a literatura científica é bem clara ao revelar que os resultados advindos com a eletroestimulação são mínimos, ou inexistentes, em termos de melhorias na composição corporal.

Há graves falhas lógicas nas promessas dos vendedores. Por exemplo, se alardeia como grande vantagem a baixa duração das sessões (20-30 minutos)! No entanto, é importante lembrar que, em menos tempo que isso, é possível adotar protocolos com embasamento científico e resultados já consolidados, como o treino intervalado de alta intensidade e/ou musculação! Por exemplo, duas séries máximas de leg press, flexora, supino e puxada já seria um bom treino e não levaria 20 minutos. O mesmo vale para vários tipos de treino intervalado (um Tabata, por exemplo, dura 4 minutos). Aliás, há outra grave falha conceitual ao prometer estimular os músculos por 20-30 minutos. Se isso ocorrer, o estimulo é tudo, menos intenso! Inclusive, a intensidade dos estímulos é um outro problema lógico. Imagina que seu cérebro precisa mandar um estímulo X para você produzir uma contração máxima. Dessa forma, se um aparelho enviar um estímulo de X ao seu músculo, ele se contrairá ao máximo, independente da sua vontade e não haveria possibilidade de fazer muitas outras coisas (quem já tomou um choque sabe o que estou dizendo). Desse modo, se uma roupa fornecesse estímulos realmente intensos para vários músculos (alguns fabricantes dizem 300), você ficaria totalmente paralisado. Mas, em vez disso, o que vemos são pessoas usando essas roupas e levantando cargas leves ou fazendo movimentos calistênicos.

Para finalizar, a indução de contrações por estímulos externos pode trazer problemas. Em uma contração normal, mecanismos internos interrompem o exercício quando se percebe um possível risco (temperatura alta, danos teciduais, depleção de reservas energéticas…). Mas o controle não funciona quando a contração é gerada por mecanismos externos, o que pode levar o estímulo a níveis potencialmente lesivos. Nesse sentido, já há relatos de rabdomiólise (dano muscular severo, que pode danificar diversos órgãos, inclusive os rins) causados por eletroestimulação (Malnick et al., 2016). Outro problema é que o corpo funciona de maneira integrada: envio de estímulo pelo sistema nervoso central, feedback e integração de diversos órgãos; e a indução de contrações por vias externas pode gerar prejuízos a essa integração. Como evidência disso, pode-se citar modelos animais mostrando que eletroestimulação pode danificar vários órgãos, incluindo testículos e adrenal (Bomba et al., 2001; Kowalski et al., 2001; Szarek et al., 2003). Isso sem falar que um mesmo estímulo pode gerar contrações completamente diferentes em pessoas diferentes, portanto os parâmetros deveriam ser estabelecidos individualmente, algo que não é feito nas clínicas e tampouco com os aparelhos comercializados atualmente.

Enfim, as promessas associadas à eletroestimulação possuem falhas em todos os aspectos: na promessa de treinos mais curtos que os tradicionais, nas promessas de fornecer estímulos intensos, nas promessas de promover melhoras na composição corporal, nas promessas de terem embasamento científico. E, para piorar, possuem diversos riscos inerentes que, inclusive fez com que um Editorial no British Medical Journal emitisse um alerta e pedisse mais atenção à regulamentação do seu uso (Malnick et al., 2016)! Enfim, ela não é apenas ineficiente, mas também perigosa!

(Paulo Gentil)

Ahmad MF & Hasbullah AH (2015). The Effects of Electrical Muscle Stimulation (EMS) towards Male Skeletal Muscle Mass. Int J Sport Heal Sci 9, 860–869.
Bomba G, Kowalski IM, Szarek J, Zarzycki D, Pawlicki R. The effect of spinal electrostimulation on the testicular structure in rabbit. Med Sci Monit. 2001 May-Jun;7(3):363-8.
Filipovic A, Grau M, Kleinöder H, Zimmer P, Hollmann W & Bloch W (2016). Effects of a Whole-Body Electrostimulation Program on Strength, Sprinting, Jumping, and Kicking Capacity in Elite Soccer Players. J Sports Sci Med 15, 639–648.
Filipovic A, Kleinöder H, Plück D, Hollmann W, Bloch W & Grau M (2015). Influence of Whole-Body Electrostimulation on Human Red Blood Cell Deformability. J Strength Cond Res 29, 2570–2578.
Humpert PM, Morcos M, Oikonomou D, Schaefer K, Hamann A, Bierhaus A, Schilling T & Nawroth PP (2009). External Electric Muscle Stimulation Improves Burning Sensations and Sleeping Disturbances in Patients with Type 2 Diabetes and Symptomatic Neuropathy. Pain Med 10, 413–419.
Kemmler W & von Stengel S (2012). Alternative Exercise Technologies to Fight against Sarcopenia at Old Age: A Series of Studies and Review. J Aging Res 2012, 1–8.
Kemmler W & von Stengel S (2013). Whole-body electromyostimulation as a means to impact muscle mass and abdominal body fat in lean, sedentary, older female adults: subanalysis of the TEST-III trial. Clin Interv Aging 8, 1353.
Kemmler W, Bebenek; M & von Stengel S (2013). Effects of Whole-Body-Electromyostimulation on Bone Mineral Density in lean, sedentary elderly women with osteopenia: The randomized controlled TEST-III Study. Osteologie 22, 121–128.
Kemmler W, Kohl M & Stengel S von (2016a). Effects of High Intensity Resistance Training Versus Whole-Body Electromyostimulation on Cardio-Metabolic Risk Factors in Untrained Middle Aged Males. A Randomized Controlled Trial. J Sport Res 3, 44–55.
Kemmler W, Schliffka R, Mayhew JL & von Stengel S (2010). Effects of Whole-Body Electromyostimulation on Resting Metabolic Rate, Body Composition, and Maximum Strength in Postmenopausal Women: the Training and ElectroStimulation Trial. J Strength Cond Res 24, 1880–1887.
Kemmler W, Teschler M, Weißenfels A, Bebenek M, Fröhlich M, Kohl M & von Stengel S (2016b). Effects of Whole-Body Electromyostimulation versus High-Intensity Resistance Exercise on Body Composition and Strength: A Randomized Controlled Study. Evid Based Complement Alternat Med 2016, 9236809.
Kemmler W, Weissenfels A, Teschler M, Willert S, Bebenek M, Shojaa M, Kohl M, Freiberger E, Sieber C & von Stengel S (2017). Whole-body electromyostimulation and protein supplementation favorably affect sarcopenic obesity in community-dwelling older men at risk: the randomized controlled FranSO study. Clin Interv Aging 12, 1503–1513.
Kowalski IM, Szarek J, Zarzycki D, Rymarczyk A. Experimental scoliosis in the course of unilateral surface electrostimulation of the paravertebral muscles in rabbits: effects according to stimulation period. Eur Spine J. 2001 Dec;10(6):490-4.
Malnick SD, Band Y, Alin P, Maffiuletti NA. It’s time to regulate the use of whole body electrical stimulation. BMJ. 2016 Mar 30;352:i1693.
Mustafa à & �zgür B (2009). Archives of Applied Science Research. Scholars Research Library. Available at: http://www.scholarsresearchlibrary.com/abstract/effects-of-wholebody-electromyostimulation-with-and-without-voluntary-muscular-contractions-on-total-and-regional-fat-ma-1845.html [Accessed April 4, 2018].
Porcari JP, McLean KP, Foster C, Kernozek T, Crenshaw B & Swenson C (2002). Effects of electrical muscle stimulation on body composition, muscle strength, and physical appearance. J strength Cond Res 16, 165–172.
Szarek J, Kowalski IM, van Dam F, Zarzycki D, Pawlicki R, Fabczak J. Pathomorphological pattern of paravertebral muscles of rabbits after long-term experimental electrostimulation. Pathol Res Pract. 2003;199(9):613-8.
van Buuren F, Horstkotte D, Mellwig KP, Fründ A, Vlachojannis M, Bogunovic N, Dimitriadis Z, Vortherms J, Humphrey R & Niebauer J (2015). Electrical Myostimulation (EMS) Improves Glucose Metabolism and Oxygen Uptake in Type 2 Diabetes Mellitus Patients—Results from the EMS Study. Diabetes Technol Ther 17, 413–419.
von Stengel S, Bebenek M, Engelke K & Kemmler W (2015). Whole-Body Electromyostimulation to Fight Osteopenia in Elderly Females: The Randomized Controlled Training and Electrostimulation Trial (TEST-III). J Osteoporos 2015, 643520.
Wittmann K, Sieber C, von Stengel S, Kohl M, Freiberger E, Jakob F, Lell M, Engelke K & Kemmler W (2016). Impact of whole body electromyostimulation on cardiometabolic risk factors in older women with sarcopenic obesity: the randomized controlled FORMOsA-sarcopenic obesity study. Clin Interv Aging Volume 11, 1697–1706.

Artigos Relacionados