O exercício físico tem sido considerado uma ferramenta não farmacológica para a prevenção e o tratamento de doenças não transmissíveis, como por exemplo, a obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes tipos 2 (MAILLARD et al., 2016; MEYER et al., 2012). No entanto, apesar da comum aceitação dos inúmeros benefícios da prática regular de exercícios físicos, a participação ainda permanece baixa (WHO, 2010). No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2015), apenas 37,9% da população de 15 anos ou mais de idade (o que corresponde a aproximadamente 61 milhões de pessoas), praticam alguma modalidade esportiva ou atividade física. De maneira geral, a maioria das pessoas não conseguem realizar os “programas de treinamento tradicionais” (acumular 150 minutos de atividade física aeróbia com intensidade moderada ou 75 minutos com intensidade vigorosa (JAKICIC et al., 2001; WHO, 2010)), atribuindo a “falta de tempo” ou “falta de prazer” como barreiras para a prática regular de exercício físico (VELLA et al., 2017; WESTON et al., 2013).
Nesse sentido, o treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT, do inglês High Intensity Interval training), com uma perspectiva de “tempo eficiente”, tem se mostrado uma ferramenta importante em promover melhoras clínicas e funcionais (BOUTCHER, 2011; COSTIGAN et al., 2015; KESSLER et al., 2012; TRAPP et al., 2008). HIIT consiste em períodos de esforços em alta intensidade, intercalados por períodos de recuperação, passiva ou de baixa intensidade (GIBALA; JONES, 2013). Esse tipo de treino foi descrito pela primeira vez em um jornal científico por Reindell e Roskamm e foi popularizado em 1952 pelo atleta Emil Zatopek, que conquistou medalhas de ouro nas provas de 5000 metros, 10.000 metros e na maratona, em uma mesma edição de Olímpiada (BILLAT, 2001). Vale ressaltar que essa conquista ainda não foi repetida até os dias atuais. Logo, é possível observar que o HIIT não é uma novidade. Esse tipo de treinamento vem sendo utilizado há mais de um século e há relatos que em 1912 já era utilizado por atletas, porém, não era publicado nos jornais científicos daquela época (BILLAT, 2001).
Conceitos e tipos de HIIT
Existem diferentes formatos de HIIT, uma vez que ele pode ser realizado em diversas intensidades de exercício. De acordo com Buchheit e Laursen (2013) o HIIT pode ter esforços curtos (<45 segundos) e longos (2 – 4 minutos), com intensidade alta (mas não máxima), variando de 90% – 120% da intensidade relacionada ao consumo máximo de oxigênio (iVO2max). Já com uma intensidade máxima, encontra-se o treinamento de esforços repetidos (RST, do inglês Repeated Sprint Training – caracterizado por 3 a 7 segundos de esforços intercalados por períodos de recuperação menores de 60 segundos) e o treinamento de esforços intervalados (SIT, do inglês Sprint Interval Training – caracterizado por 30 segundos de esforços all out intercalado por 2 – 4 minutos de período de recuperação).
Visando uma padronização de terminologias, Weston et al. (2013) propuseram um esquema de classificação simples para o treinamento intervalado baseado na intensidade do exercício. Os autores sugeriram que o termo ‘High Intensity Interval Training’ (HIIT) seja usado para descrever protocolos nos quais o estímulo de treinamento é “quase máximo” ou a intensidade alvo está entre 80 e 100% da frequência cardíaca máxima. Além disso, os autores defendem o uso do termo ‘Sprint Interval Training’ (SIT) para protocolos que envolvem esforços all out ou ‘supramáximo’, quando as intensidades correspondem a cargas de trabalho maiores do que 100% do consumo máximo de oxigênio (VO2max).
Entretanto, alguns cuidados devem ser levados em consideração quanto a definição de intensidade. De acordo com Viana et al. (2018), o conceito ‘supramáximo’ deve ser utilizado apenas para parâmetros mecânicos (ex: velocidade; carga de trabalho), uma vez que, os parâmetros fisiológicos não excedem 100% da capacidade de um determinado sistema.
HIIT e suas aplicações
Recentemente, o treinamento intervalado (TI) foi redescoberto pelas suas aplicações direcionadas para diferentes campos: saúde (WISLØFF et al., 2007), performance (TABATA et al., 1996) e emagrecimento (TRAPP et al., 2008). Quando comparado ao treinamento contínuo (TC) de intensidade baixa ou moderada de longa duração, o TI vem apresentando resultados positivos e promissores.
Em relação às aplicações direcionadas para a performance, estudos mostram resultados iguais ou superiores ao TC, gastando menos tempo (BURGOMASTER et al., 2008; GIBALA et al., 2006; GIST et al., 2014). Nesse sentido, um grupo de pesquisadores da Georgia (HIGGINS et al., 2016), submeteram 52 mulheres inativas, com sobrepeso / obesidade a realizarem uma, de duas, intervenções experimentais: SIT (sprints de 5 a 7 x 30 segundos, todos seguidos por quatro minutos de recuperação ativa) e ciclismo contínuo a 60-70% frequência cardíaca de reserva. Após seis semanas, o grupo SIT aumentou o VO2pico em 14,1%. Já um grupo de pesquisadores canadenses (MACPHERSON et al., 2011), submeteram homens e mulheres a uma intervenção (três vezes por semana durante seis semanas) com SIT (30 s de corrida de corrida em esteira manual, quatro a seis sessões por sessão, quatro minutos de recuperação por sessão) versus MICT (65% VO2max por 30 a 60 min). Após a intervenção, os grupos SIT e MICT apresentaram aumentos de 11,5% e 12,5% no VO2pico.
Já em relação às aplicações voltadas para o emagrecimento, uma revisão geral sobre o tema, sugere que a perda de peso parece ser maior mesmo que o gasto calórico energético obtido com o TI seja menor (MAILLARD et al., 2016; TREMBLAY; BOUCHARD, 1994) ou igual ao do TC (TRAPP et al., 2008). Nesse sentido, um grupo de pesquisadores australianos (TRAPP et al., 2008), dividiram 45 mulheres em três grupos: HIIT ( 60 x 8 s all out intercalados por 12 s de recuperação ativa), Contínuo (20 à 40 minutos a 60% do VO2max) e o Controle (manter os níveis de atividade física e dieta habitual). Após 15 semanas de intervenção, o grupo HIIT, quando comparado ao Contínuo, apresentou reduções significativas na insulina de jejum, gordura corporal total e gordura subcutânea da perna e do abdômen.
Dessa forma, a literatura científica deixa transparecer que o treinamento intervalado de alta intensidade parece ser uma alternativa para melhora do condicionamento cardiorrespiratório e emagrecimento. Considerando que a baixa aptidão cardiorrespiratória é um forte fator de risco, independente, para doença cardiovascular e mortalidade por todas as causas (BARRY et al., 2014; KODAMA et al., 2009) e que “falta de tempo” é uma barreira comum à adoção regular de exercícios (WESTON; WISLØFF; COOMBES, 2013), a eficiência temporal do TI pode ajudar a aumentar a adesão no exercício.
Referências:
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