HIIT e Doenças Cardiovasculares

Por Daniel Costa

2 de fevereiro de 2015

Síndrome metabólica (SM), é o conjunto de fatores fortemente associados a doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2, são eles: obesidade abdominal, dislipidemia, hipertensão, resistência à insulina e estado pró inflamatório (Grundy et al., 2004). Segundo Shaw e colaboradores, o aumento da prevalência da síndrome, está associado a maiores índices de mortalidade por doenças cardiovasculares e parece ser influenciada pelo: estilo de vida, fatores genéticos, idade e gênero. É bem estabelecido que a prática regular de exercício físico seja uma estratégia efetiva na prevenção e no tratamento da SM. Como os níveis de condicionamento cardiorrespiratório (VO2máx) são inversamente proporcionais aos índices de mortalidade por doenças de causas gerais, as diretrizes para a prática de exercício físico para saúde tem recomendado a realização de treinos aeróbios contínuos moderados (ACM) de no mínimo 30min, 5 vezes por semana ou vigorosos (ACV) 20min, 3 vezes por semana (Roberts et al., 2005; ACSM, 2011).

Por outro lado, segundo Reichert e colaboradores (2007) um dos grandes empecilhos para a prática regular de exercício físico é a falta de tempo. Partindo desse pressuposto, o HIIT ou Treinamento Intervalado de Alta Intensidade, vem chamando a atenção dos pesquisadores pelo fato de ser mais eficiente em função do tempo, induzindo adaptações metabólicas e funcionais semelhantes ao exercício ACM, apesar do seu baixo volume. Nesse sentido, estudos mostram que 6 sessões de 15 minutos durante duas semanas de exercício intervalado de alta intensidade já são suficientes para promover melhoras no metabolismo oxidativo (Gibala et al., 2007; Little et al., 2010).

O HIIT consiste em tiros realizados em “all-out”, ou em intensidades próximas ao VO2máx (≥90% do Vo2 máx), intercalados com descansos ativos ou passivos. Estudos com treinamento intervalado e indivíduos com doença cardiovascular, tem sido conduzido desde a década de 70 (Smodlaka, 1972) e pesquisas recentes têm investigado os efeitos do HIIT sobre parâmetros deste tipo de doença, a fim de chegar a uma melhor abordagem do exercício físico para sua prevenção ou tratamento (Rognmo e col., 2004; 2012; Wisløff e col., 2007; Ciolac, 2012).

HIIT e capacidade cardiorrespiratória

Condicionamento cardiorrespiratório é um forte preditivo de mortalidade por eventos cardiovasculares e melhoras no consumo máximo de oxigênio (VO2máx) são inversamente proporcionais aos riscos de mortalidade. A cada aumento de uma unidade metabólica (MET= 3.5 ml*kg⁻¹min⁻¹) cresce em 13% a probabilidade de sobrevida, o que tornam os treinamentos que promovam um aumento na capacidade aeróbia (VO2máx) para indivíduos com doenças cardiovasculares (Kodama et al., 2009).

Burgomaster e colaboradores (2008) verificaram melhoras similares do VO2máx em jovens destreinados de ambos os sexos, submetidos a seis semanas de protocolo de HIIT e ACM, o grupo HIIT realizava de 4 a 6 sprints máximos (all out) de 30 seg no cicloergômetro, intercalados por 4,5 min de descanso ativo 3x/semana, enquanto o grupo ACM realizava 40 a 60min a 65% do VO2máx 5x/semana. Mais tarde, Mcpherson e colaboradores (2011) reproduziram o mesmo estudo e verificaram que o HIIT com estímulos de menor duração (≤30s) em forma de sprint, ou SIT (Sprint Interval Training) como foi denominado. Apesar da melhora similar em relação ao VO2máx, o protocolo SIT não promoveu aumento no volume cardíaco, ao contrário do ACM, o que é um indicativo que essa adaptação inicial ao SIT parece ser mais periférica do que central. White e colaboradores (2010) aplicaram este mesmo protocolo de SIT em homens obesos e sobrepesados durante duas semanas, e verificaram aumentos significativos no VO2Máx em relação aos valores mensurados inicialmente. Ainda se
tratando de obesos e sobrepesados, Wallman e colaboradores (2009) distribuíram de forma randomizada 24 indivíduos em 3 grupos, (SIT + dieta, ACM + dieta e dieta) e verificaram que ambos os grupos de exercício melhoraram de forma similar o VO2máx.

Matsuo e colaboradores (2014) compararam dois protocolos de HIIT, um com estímulos mais longos, denominado HIAT (Hight Intensity Aerobic Training), que consistiu em 3 tiros de 3min a ~90% do VO2máx intercalado por 2min de recuperação ativa, com um protocolo de estímulos curtos em forma de Sprint (SIT) que consistiu em 7 tiros de 30seg a 120% do VO2máx intercalados com 15seg de descanso passivo e um grupo ACM que realizava 40min a 60~65% VO2máx, a amostra foi composta por 42 indivíduos sedentários. Após 8 semanas de intervenção os três grupos melhoraram o VO2máx de forma significativa, porém os grupos HIIT tiveram uma tendência a melhores resultados comparados ao grupo contínuo moderado (SIT, 16.7 ± 11.6%; HIAT, 22.5 ± 12.2%; ACM, 10.0 ± 8.9%). Adaptações do músculo cardíaco como hipertrofia do ventrículo esquerdo e aumento do volume sistólico foram observadas tanto no grupo SIT, como no HIAT, contradizendo os achados de Mcpherson e col. (2011) que sugerem que intervalados com estímulos curtos ≤ 30 seg, aumentariam o VO2máx por promover adaptações mais periféricas, como o aumento de mitocôndrias no músculo esquelético. Outro ponto interessante de se observar no estudo, é que 85,7% do grupo HIAT conseguiu aumentar no mínimo 10% do VO2máx, enquanto os valores foram de 64,3% e 35,7% para os grupos SIT e ACM respectivamente. Levando em consideração os achados de Matsuo e col, o HIIT com estímulos mais longos (≥ 1min) parece ser mais efetivo em promover melhoras no VO2máx em relação ao SIT e ao AMC.

Essas maiores melhoras no VO2máx para o treino intervalado com estímulos mais longos corroboram com os achados de Nybo e col (2010), em que o grupo HIIT com intervalos de ~2min melhorou o VO2máx quase duas vezes mais que o ACM depois de 12 semanas de intervenção, mesmo com o tempo de exercício menor que 1/3 do tempo de exercício do outro grupo, a amostra foi composta por homens saudáveis destreinados. Ciolac e col (2010), encontraram melhoras superiores em relação ao VO2máx para o grupo HIIT (15.8±6.3%) comparado ao ACM (8.0±6.1%) após submeterem mulheres saudáveis, com forte histórico familiar para hipertensão, a 16 semanas de treinamento. Em estudo com obesos submetidos a 12 semanas de treinamento aeróbio, o grupo HIIT que realizou o protocolo 4 tiros de 4 min a 85-95% da frequência cardíaca máx (FCmáx) intercalado com 3 min de descanso ativo, teve melhoras significativas no VO2máx (33%) em relação ao grupo ACM (16%) que realizou 47 min a 60-70% da FCmáx (Schjerve e col., 2008).

Se tratando de doenças cardiovasculares, tem se observado uma relação inversa entre a intensidade do exercício e o risco de desenvolver doença arterial coronariana (DAC), independente das unidades metabólicas (METs) gastas durante a atividade (Tanasescu e col., 2002; Lee e col., 2003). Em um estudo do grupo de Tjonna Pacientes com síndrome metabólica, foram divididos de forma aleatória em um grupo HIIT que realizava 4 tiros de 4min a 90%VO2máx intercalado por 3min a 50% e um grupo ACM (47min FCmáx), os treinos foram realizados 3 vezes por semana, durante 16 semanas. Ao final do experimento, o grupo HIIT teve maior redução dos componentes da SM, comparado ao grupo ACM, (46 e 37%) respectivamente. Os valores de VO2máx foram 35% para o HIIT e 16% para o treino ACM (Tjønna e col., 2008). Warburton e col (2005) verificaram melhoras similares na potência aeróbia de indivíduos com doença cardiovascular submetidos a 16 semanas de treino HIIT e ACM, porém o grupo HIIT teve uma maior melhora em relação ao limiar anaeróbio e um maior aumento no tempo de exaustão. Já Rognmo e colabores (2004), em um estudo randomizado controlado, submeteram pacientes com doença arterial coronariana a 10 semanas de treinamento: um grupo realizava um protocolo de treino ACM (41min, 50-60% VO2máx), enquanto o outro realizava o protocolo 4 tiros de 4 minutos intercalado por 3min de descanso ativo. Ao final do experimento, ambos os grupos melhoraram o VO2máx de forma significativa em relação aos valores pré-teste, porém o grupo HIIT teve uma melhora significativamente maior (17,9%), em relação ao grupo ACM (7,9%).

Posteriormente, pesquisadores do mesmo grupo verificaram melhoras superiores no VO2máx (46%) em pacientes com doença arterial coronariana pós infartados, submetidos a 12 semanas de HIIT, comparado ao grupo ACM (14%). Foi observado remodelamento do músculo cardíaco apenas para o grupo HIIT, com melhora de 35% da fração de ejeção. A melhora na função endotelial foi maior para o grupo HIIT, além da melhora da função mitocondrial ter sido observada apenas para este grupo (Wisløff e col., 2007). Freyssin e col também verificaram melhoras significativas do VO2máx para indivíduos pós infartados que realizavam protocolo de HIIT em comparação ao grupo ACM submetidos a 8 semanas de treinamento. Currie e col (2013) verificaram melhoras similares da condição cardiorrespiratória em pacientes com DAC, 19 e 24% para o grupo ACM e hitt respectivamente, após 12 semanas de intervenção, embora o grupo AMC tenha realizado o dobro do trabalho realizado pelo grupo HIIT. A melhora na função endotelial da artéria braquial foi verificada para ambos os grupos, não havendo diferença entre eles. Recentemente, pesquisadores estadunidenses distribuíram de forma randomizada pacientes que participavam da fase II de um programa de reabilitação cardíaca, em dois grupos de exercício: HIIT e AMC. Ao final do programa, o grupo HIIT obteve melhoras superiores em relação a condição cardiorrespiratória (HIIT: 3.6 ± 3.1 mL·kg⁻¹·min⁻¹, AMC: 1.7 ± 1.7 mL·kg⁻¹·min⁻¹). Segundo os autores, o protocolo de HIIT obteve sucesso ao ser integrado a um programa padrão de reabilitação cardíaca quando comparado ao exercício AMC (Keteyian e col., 2014).

Segurança

Outra questão relevante, em relação ao uso de protocolos de treinamento intenso na reabilitação de pacientes com doença cardiovascular é a segurança. Supostamente este tipo de treinamento aumentaria de forma aguda ou crônica, o risco de morte súbita e infarto em indivíduos predispostos. Em um estudo sobre o tema, Rognmo e colaboradores (2012), acompanharam 4846 pacientes envolvidos em programas de reabilitação cardíaca em 3 clínicas na Noruega, o período de observação foi de aproximadamente 7 anos, sendo computado 129.456 horas para o exercício ACM e 46.364 horas de exercício de alta intensidade. Após este período, foi reportado apenas 1 efeito adverso que resultou em morte para quem realizava exercício ACM e 2 efeitos adversos não fatais para o grupo de alta intensidade. Os autores concluem que ambos os tipos exercícios ofereceram um baixo risco para esta população.

Conclusão

Estudos indicam que se tratando de cardiopatas o treinamento intervalado de alta intensidade tem proporcionado melhoras no condicionamento cardiorrespiratório similares, ou até mesmo superiores, quando comparado a protocolos de exercício moderado contínuo. Outro ponto importante é que o HIIT se mostra mais eficiente em função do tempo, o que
deve ser levando em consideração, já que a falta de tempo tem sido reportada como uma das maiores barreiras para a adesão a programas de reabilitação (Barbour e col., 2008). Levando em consideração que aumentos no VO2máx tem uma relação direta com índices de sobrevivência para esta população e o protocolo HIIT se mostra seguro e mais eficiente em função do tempo, concluímos que o HIIT deve ser considerado uma eficiente ferramenta na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares e deve ser inserida em programas de reabilitação cardíaca.

Referências

Grundy, Scott M., et al. "Definition of metabolic syndrome report of the National Heart, Lung, and Blood Institute/American Heart Association Conference on scientific issues related to definition." Circulation 109.3 (2004): 433-438.
Cameron, Adrian J., Jonathan E. Shaw, and Paul Z. Zimmet. "The metabolic syndrome: prevalence in worldwide populations." Endocrinology and metabolism clinics of North America 33.2 (2004): 351-375.
Roberts, Christian K., and R. James Barnard. "Effects of exercise and diet on chronic disease." Journal of Applied Physiology 98.1 (2005): 3-30.
Garber, Carol Ewing, et al. "American College of Sports Medicine position stand.
Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: guidance for prescribing exercise." Medicine and science in sports and exercise 43.7 (2011): 1334-1359.
Reichert, Felipe F., et al. "The role of perceived personal barriers to engagement in leisure-time physical activity." American journal of public health 97.3 (2007): 515.
Gibala, Martin J., and Sean L. McGee. "Metabolic adaptations to short-term high-intensity interval training: a little pain for a lot of gain?." Exercise and sport sciences reviews 36.2 (2008): 58-63.
Little, Jonathan P., et al. "A practical model of low-volume high-intensity interval training induces mitochondrial biogenesis in human skeletal muscle: potential mechanisms."
The Journal of physiology 588.6 (2010): 1011-1022.
Rognmo, Øivind, et al. "High intensity aerobic interval exercise is superior to moderate intensity exercise for increasing aerobic capacity in patients with coronary artery disease."
European Journal of Cardiovascular Prevention & Rehabilitation 11.3 (2004): 216-222.
Rognmo, Øivind, et al. "Cardiovascular risk of high-versus moderate-intensity aerobic exercise in coronary heart disease patients." Circulation (2012): CIRCULATIONAHA-112.
Wisløff, Ulrik, et al. "Superior cardiovascular effect of aerobic interval training versus moderate continuous training in heart failure patients a randomized study." Circulation 115.24 (2007): 3086-3094
Tjønna, Arnt Erik, et al. "Aerobic interval training vs. continuous moderate exercise as atreatment for the metabolic syndrome – “A Pilot Study”." Circulation. 2008 July 22; 118(4): 346–354.
Ciolac, Emmanuel Gomes. "High-intensity interval training and hypertension: maximizing the benefits of exercise?." American journal of cardiovascular disease 2.2 (2012):
Kodama, Satoru, et al. "Cardiorespiratory fitness as a quantitative predictor of all-cause mortality and cardiovascular events in healthy men and women: a meta-analysis." Jama 301.19 (2009): 2024-2035.
Burgomaster, Kirsten A., et al. "Similar metabolic adaptations during exercise after low volume sprint interval and traditional endurance training in humans." The Journal of
physiology 586.1 (2008): 151-160.
Whyte, Laura J., Jason MR Gill, and Andrew J. Cathcart. "Effect of 2 weeks of sprint interval training on health-related outcomes in sedentary overweight/obese men."
Metabolism 59.10 (2010): 1421-1428.
Macpherson, R. E., et al. "Run sprint interval training improves aerobic performance but not maximal cardiac output." Medicine and science in sports and exercise 43.1 (2011): 115-Wallman, Karen, et al. "The effects of two modes of exercise on aerobic fitness and fat mass in an overweight population." Research in Sports Medicine 17.3 (2009): 156-170.
Matsuo, Tomoaki, et al. "Effects of a low-volume aerobic-type interval exercise on VO2max and cardiac mass." Medicine and science in sports and exercise 46.1 (2014): 42-50.
Nybo, Lars, et al. "High-intensity training versus traditional exercise interventions for promoting health." Med Sci Sports Exerc 42.10 (2010): 1951-8.
Ciolac, Emmanuel G., et al. "Effects of high-intensity aerobic interval training vs. moderate exercise on hemodynamic, metabolic and neuro-humoral abnormalities of young normotensive women at high familial risk for hypertension." Hypertension Research 33.8 (2010): 836-843.
Schjerve, I., et al. "Both aerobic endurance and strength training programmes improve cardiovascular health in obese adults." Clinical science 115 (2008): 283-293.
Tanasescu M, Leitzmann MF, Rimm EB, Willett WC, Stampfer MJ, Hu FB. "Exercise type and intensity in relation to coronary heart disease in men. " JAMA 2002; 288:1994–2000.
Lee IM, Sesso HD, Oguma Y, Paffenbarger RS Jr. "Relative intensity of physical activity and risk of coronary heart disease. " Circulation 2003; 107:1110–1116.
Currie KD, Dubberley JB, McKelvie RS, MacDonald MJ. "Low-Volume, high-intensity interval training in patients with CAD. " Med Sci Sports Exerc 2013;45 (Aug (8)):1436–42.
Freyssin, Céline, et al. "Cardiac rehabilitation in chronic heart failure: effect of an 8-week, high-intensity interval training versus continuous training." Archives of physical medicine and rehabilitation 93.8 (2012): 1359-1364.
Keteyian SJ, Hibner BA, Bronsteen K, Kerrigan D, Aldred HA, Reasons LM, et al. "Greater improvement in cardiorespiratory fitness using higherintensity interval training in the standard cardiac rehabilitation setting. " J Cardiopulm Rehabil Prev 2014;34 (2):98–105.
Rognmo, Øivind, et al. "Cardiovascular risk of high-versus moderate-intensity aerobic exercise in coronary heart disease patients." Circulation (2012): CIRCULATIONAHA-112.
Barbour KA, Miller NH. "Adherence to exercise training in heart failure: a review." Heart Fail Rev. 2008;13(1):81-9.
Smodlaka VN. "Use of the interval work capacity test in the evaluation of severely disabled patients. " J Chronic Dis 1972;25:345–52.

Artigos Relacionados