Musculação: Como treinar o idoso

Por Elke Oliveira

1 de outubro de 2003

Nos últimos anos, a expectativa de vida tem aumentado significativamente. Emconseqüência disso, o contingente populacional de idosos vem acompanhando tal crescimento. Na década de 1970, o Brasil era considerado um país depopulação predominantemente jovem. Contudo, começa a mostrar uma tendência ao envelhecimento. Segundo o Anuário Estatístico do Brasil (1996) de 1951 a 1991 o número de indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos aumentoucerca de 480%. 

Não é fácil definir quando um indivíduo pode ser considerado idoso. Segundo alguns autores, uma definição simplista seria: todo individuo com idadeigual ou superior a 65 anos. Porém, fatores como: alto nível de catabolismo, declínio da atividade celular, maior vulnerabilidade do organismo aos distúrbios metabólicos, progressivo decréscimo das reservas funcionais, processos patológicos, desnutrição, entre outros, ocorrem com velocidade e intensidade diferentes, as quais são determinadas pelagenética e/ou estilo de vida de cada indivíduo. 

Nesse texto, daremos enfoque ao treinamento de força direcionado ao idoso, com uma atenção especial para a grande polêmica quanto à recomendação de que o treino deva ser leve. O idoso não é uma “taça de cristal”. Muito pelo contrario, ele é capaz de utilizar métodos com sobrecargas (absoluta e relativa) iguais ou mesmo superiores às do jovem. 

Força, Massa Muscular e Saúde

A grande preocupação das autoridades, tanto científicas quanto governamentais, é garantir qualidade de vida ao idoso, na qual ele possa desenvolver com autonomia as atividades da vida diária. A qualidade de vida está diretamente ligada à perda de força (que pode chegar a 15% durante a sexta e sétima década de vida e depois disso a 30% 9, 13 e à redução da massa muscular associada com a idade, denominada sarcopenia 3, 14.
Vários estudos demonstram que a redução da força ocorre de maneira diferentenos diversos grupamentos musculares, sendo de forma mais intensa nos
músculos flexores do antebraço e músculos que mantém o corpo ereto. Outra curiosidade é que a redução da massa muscular é mais lenta que a perda de força, e tem uma estreita relação com a diminuição dos hormônios sexuais 18. A perda de massa óssea também é outro fator que pode ser considerado uma conseqüência da diminuição da massa muscular e força.

A maior parte da bibliografia que enfoca o treinamento de força para o idoso utiliza sobrecargas intensas 2, 5, 16 que podem chegar a 90% de 1RM 7, mesmo quando os estudos são ligados a prescrições de acordo com patologias pré-existentes. Será que treinar com objetivo de saúde é treinar leve? Os resultados obtidos com treinos de alta intensidade têm se mostrado seguros e eficientes para a saúde do idoso, com aumentos de densidade femoral e lombar, melhora do equilíbrio, e aumento da força e massa muscular 14. Já o
treinamento de força de baixa intensidade produz resultados limitados, o que nos leva a concluir que os idosos têm uma capacidade mais baixa para reagir aos estímulos que os mais jovens 1. Então isso nos leva a acreditar que o estímulo deve ser forte.

Muitos estudos submetem idosos da casa dos 90 anos de idade a treinos intensos, que chegam a 90% de 1RM até a falha concêntrica 7. Nesses casos a preocupação praticamente se limitaria a evitar manobra de valsava e um cuidado especial com os indivíduos com riscos cardiovasculares, pois a freqüência cardíaca e pressão arterial, perto da falha concêntrica, se elevam consideravelmente. Quanto ao idoso com artrite, artrose, tendinite, desvios posturais entre outras patologias do sistema locomotor, uma avaliação e um treinamento minucioso tornarão sempre possível utilizar, em algumas fases do planejamento, métodos intensos.Considerando intensidades relativamente menores, afirmam alguns estudiosos, que treinos com sobrecargas de 50 a 60% de 1RM podem ser tão eficientes ou melhores que os com intensidades maiores 10. A faixa dos 50 a 60% parece um treino leve, porém essas metodologias levam o indivíduo a fadiga e/ou falha concêntrica. Isso é distante do que vemos nas academias, onde o próprio idoso e os profissionais que prescrevem o treinamento, subestimando sua capacidade, e utilizam treinamentos com baixíssima intensidade. Chegam ao absurdo de não mudarem a carga (sabe aquele pesinho de 1 kg?!) durante um ano de treinamento. 

Os cientistas descobriram que o grau de adaptação do músculo esquelético se mantém ativo mesmo depois de 90 anos de idade. Vários estudos, nos quais foram aplicadas metodologias com treinamento de força de alta intensidade, levaram à conclusão que a capacidade de aumentar força continua preservada mesmo com idade avançada. Outro benefício constatado é o aumento significativo de massa muscular, comprovado através de tomografia computadorizada 12, 6. O interessante é que, além do aumento da massa muscular comprovada através de biópsia, a força chega a atingir valores 200%maiores no teste de 1RM em 12 semanas 8. Outro dado interessantes é que apesar das respostas hormonais serem muito menores, nos mais velhos, elas acontecem em treinos que utilizam intensidades elevadas 11. 

Eficiência e Segurança

Na verdade existe uma preocupação excessiva (por vezes até prejudicial) com a segurança (fragilidade?) do idoso. Todavia, estudos comprovam que treinamentos de alta intensidade, além de eficientes, são extremamente seguros para homens e mulheres de idades avançadas, e frágeis 4. Como já foi mencionado, objetivos de saúde e qualidade de vida estão diretamente ligados a esse tipo de treinamento, e somente usando intensidades capazes de gerarem adaptações é que esses objetivos serão alcançados. São as metodologias que utilizam sobrecargas intensas que vão garantir ganhos significativos de força e massa muscular/óssea para aumentarem a velocidade na caminhada, a potência para subir escadas e levantar-se de uma cadeira, melhora no equilíbrio e na execução das atividades do cotidiano em geral, e a prevenção / tratamento de patologias. A estética é outra variável que pode ser melhorada com esse tipo de treinamento, pois afina, qual idosa (o) não é vaidosa (o)? Não se deve menosprezar a melhora da auto-estima, que é um fator de extrema importância em todas as idades.

Treinamento

Alguns detalhes importantes na hora do planejamento do treinamento de força para essa faixa da população não podem ficar sem a devida atenção:
– Avaliação física a médica;
– Identificar todos os fatores de risco;
– No caso de patologias, direcionar o treino com uma prescrição segura e inteligente.
– Prescrever, sempre, aquecimento, alongamento e volta à calma;
– Evitar manobra de valsava (respiração bloqueada);
– Enfatizar a fase de adaptação;
– Estimular a fadiga;
– Ter cuidado com volumes altos de treinamento, pois este sim não é seguro.
– Um número razoável seria de 6 a 9 séries diárias.
– Utilizar um aumento progressivo de carga.
– Controlar o intervalo entre as séries e o tempo de recuperação.
– Respeitar os princípios do Treinamento de força.
– Fazer uso de pesos livres para estimular a coordenação e equilíbrio.

Considerações finais

Um fator inquietante é que muitas vezes a preocupação excessiva com uma lesão na articulação do dedo da mão se estende ao restante do corpo. Devido a isso, há profissionais que não recomendam ou proíbem exercícios. O paciente acredita, e esta situação o impede da praticar de atividades como exercícios que envolvam as demais partes do corpo. Tal conduta pode tornar um indivíduo sedentário por meses e até anos, os quais não serão aproveitados, em razão de uma visão reducionista, que ver o todo do organismo, limitado a uma pequena parte, ou pior, reduzindo o indivíduo à sua parte doente.

O conteúdo desse texto serve como um recado aos que insistem em treinar leve, de todas as faixas etárias, e afirmam que só estão praticando exercício para a saúde. Também é um alerta aos profissionais que prescrevem o treinamento. Não pudemos cruzar os braços diante de tal falta de compreensão. Devemos orientar e tentar convencer nossos alunos a não subestimarem sua força e deixarem que um novo conceito de treinamento faça parte da sua vida. Se o problema é o receio de causar uma lesão, não se deve associar o risco somente à intensidade maior. O que lesiona são altos volumes e técnica inadequada de execução. 
Será um marco para população mundial o dia que descobrirem que um treinamento de força, feito com intensidades ideais, pode ser a maneira mais efetiva e barata para proporcionar uma vida independente ao idoso. 

Referencia Bibliográficas

1. ANIANSSON, A & GUSTAFSSON, E. Physical trainingin elderly men with
specific reference to quadriceps muscle strength and morphology. Clinical
Physiology. 1981.1:87-98.
2. CLARKSON PM, NOSAKA K, BRAUN B. Muscle function after
exercise-induced muscle damage and rapid adaptation. Med Sci Sports Exerc.
1992 May;24(5):512-20.
3. EVANS WJ, CAMPBELL WW. Sarcopenia and age-related changes in body
composition and functional capacity. J Nutr. 1993 Feb;123 (2 Suppl):465-8.
4. FIATARONE MA, O’NEILL EF, RYAN ND, CLEMENTS KM, SOLARES GR, NELSONME, ROBERTS SB, KEHAYIAS JJ, LIPSITZ LA, EVANS WJ. Exercise training and nutritional supplementation for physical frailty in very elderly people. N
Engl J Med. 1994 Jun 23;330(25):1769-75.
5. FIATARONE MA, EVANS WJ. The etiology and reversibility of muscle dysfunction in the aged. J Gerontol. 1993 Sep;48 Spec No:77-83 
6. FIATARONE MA, MARKS EC, RYAN ND, MEREDITH CN, LIPSITZ LA, EVANS WJ. High-intensity strength training in nonagenarians. Effects on skeletal
muscle. JAMA. 1990 Jun 13;263(22):3029-34.
7. FLECK, Steven J. and KRAEMER, William J; Fundamentos do Treinamento de Força Muscular: Artmed editora, 1997.
8. FRONTERA WR, MEREDITH CN, O’REILLY KP, KNUTTGEN HG, EVANS WJ.
Strength conditioning in older men: skeletal muscle hypertrophy and improved function. J Appl Physiol. 1988 Mar;64(3):1038-44.
9. HARRIES UJ, BASSEY EJ. Torque-velocity relationships for the knee extensors in women in their 3rd and 7th decades. Eur J Appl Physiol Occup Physiol. 990;60(3):187-90.
10. HUNTER, GR & TREUTH, MS. Relative training intensity and increases in strength in older women. Journal of Strength and Conditioning Research. 1995. 9:188-91.
11. KRAEMER WJ, HAKKINEN K, NEWTON RU, NINDL BC, VOLEK JS, MCCORMICK M, GOTSHALK LA, GORDON SE, FLECK SJ, CAMPBELL WW, PUTUKIAN M, EVANS WJ. Effects of heavy-resistance training on hormonal response patterns in younger vs. older men. J Appl Physiol. 1999 Sep;87(3):982-92.
12. MORITANI T, DEVRIES HA. Potential for gross muscle hypertrophy in older men. J Gerontol. 1980 Sep;35(5):672-82
13. MURRAY MP, DUTHIE EH JR, GAMBERT SR, SEPIC SB, MOLLINGER LA.
Age-related differences in knee muscle strength in normal women. J Gerontol. 1985 May;40(3):275-80
14. NELSON, ME & FIATARONE, MA; MORGANTI, CM; TRICE, I GREENBERG, RA and EVANS, WJ. Effects of highintensity, strength training on multiple risk for osteoporotic fractures. Journal of the American Medical Association. 272:1909-14.
15. SPENCE; ALEXANDER P; Anatomia Humana Básica: editora manole 2º edição 1991.
16. TRAPPE S, WILLIAMSON D, GODARD M, PORTER D, ROWDEN G, COSTILL D. Effect of resistance training on single muscle fiber contractile function in older men Human Performance Laboratory, Ball State University, Muncie, Indiana 47306, 2000.
17. WILLIAM J. EVANS. Effects of heavy-resistance training on hormonal response patterns in younger vs. older men. J.Appl. Physiol. 87(3): 982–992, 1999.
18. WEINECK, J. Biologia do Esporte. São Paulo, Manole, 2000.

Artigos Relacionados