O câncer de Gaia

Por Paulo Gentil

31 de julho de 2001

Antes de iniciar o texto é interessante entendermos os conceitos de autopoiese e auto-organização. Segundo FRITJOF CAPRA, autopoiese é uma “rede de processos de produção, nos quais a função de cada componente consiste em participar da produção ou transformação de outros componentes da rede… (a qual) é produzida pelos componentes e, por sua vez, produz esses componentes” (CAPRA, 1996). Ou seja, cada componente do sistema participa da produção e ao mesmo tempo é produzido, em um ciclo de interdependência. Outro conceito importante é o de auto-organização. Um sistema auto-organizador pode corrigir seus erros através de mecanismos de realimentação (feedback), ou seja, a partir da detecção de erros o sistema pode reestruturar-se para que o próximo ciclo produza o resultado esperado. Todos os sistemas vivos são autopoiéticos e auto-organizadores.

Como referido no artigo Creatina & câncer, uma célula cancerosa é resultado de um erro no ciclo de criação. Ao perceber essa falha, nosso corpo tenta corrigir-la através de seus mecanismos de defesa em uma clara tentativa de auto-organização, porém essas células conseguem resistir e se desenvolvem de maneira desordenada. O problema é que as células mutantes prejudicam todo o sistema autopoiético, tomando espaço e competindo por nutrientes com outras células que atuam em processos produtivos e transformadores. À medida que essas células se proliferam elas comprometem de maneira crescente o funcionamento de tecidos, órgãos e por fim do sistema vivo inteiro. Porém ela própria morre junto com o sistema, pois depende de produtos das reações desse sistema para sua sobrevivência, ou seja, destruindo os outros componentes ela destrói o organismo e, conseqüentemente, a si mesma.

Alguns estudiosos também vêem o planeta Terra como um sistema vivo (denominado Gaia em homenagem à deusa grega da Terra), conseqüentemente autopoiético e auto-organizador, com as diversas espécies animais, vegetais e minerais sendo componentes desse sistema, todas elas ajudando e dependendo do funcionamento do sistema. Dentro desta perspectiva surge uma assustadora analogia. Qual componente se prolifera dentro da Terra de maneira desordenada, ocupando espaços e destruindo os demais? Que outra espécie, senão a humana, é incapaz de viver em harmonia com as outras, tendo seu progresso tornado-se praticamente sinônimo da extinção de componentes próximos a ele? Não seriam os desastres metereológicos, as incontáveis epidemias e demais males que assolam a humanidade, mecanismos de defesa de Gaia contra nós? Nesse sentido a espécie humana se assemelha às células cancerosas: destrutivas e imunes às defesas do sistema agonizante, inocentemente ignorando o fato que sua própria existência depende do equilíbrio desse mesmo sistema que está destruindo.

A nossa única vantagem aparente sobre a célula cancerosa é que somos portadores de consciência (?) o que teoricamente nos permitiria mudar de atitude e cessar ou até mesmo reverter, nossas condutas nocivas. Desde a mais simples célula até o mais evoluído ser humano deveria saber que somos meros componentes dessa intricada teia de relações e que a convivência harmoniosa com os demais componentes, é a única maneira de garantirmos nossa própria sobrevivência. O que me pergunto é: será que a raça humana tomará consciência disto antes que o processo de destruição se torne irreversível?

Só o futuro trará a resposta… enquanto isso, Gaia agoniza…

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