O Funk e o paradígma da macieira

Por Paulo Gentil

30 de abril de 2001

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Atualmente o movimento funk tem presença assegurada em diversos círculos, quer pela repetição de seus lobotomicos refrões, pela crítica da elite intelectual, pela censura dos puritanos… Assim como atraiu inúmeros seguidores, o mais recente movimento musical popular também conquistou ferrenhos opositores, sob a dura acusação de degradação do homem (mulher) pelo homem e ausência de estrutura racional/cultural em suas músicas. Mas será que são justas tais acusações? Serão os integrantes deste movimento vítimas ou vilões?

Partindo de uma perspectiva crítica, o próprio conceito do que é ou não cultura é tendencioso, não há como se falar em uma cultura, antes, as culturas jamais deveriam ser vistas separadamente do seu ambiente gerador nem muito menos comparadas entre si. O que torna uma pessoa que ouve Mozart culta e uma que ouve Bonde do Tigrão limitada neste aspecto? Note que, coincidentemente, o conceito de culto sempre é relacionado com idéias da minoria influente sócio-economicamente. Será a definição de cultura uma prolongação deste domínio? Será que o fato de pessoas pobres serem capazes de ter e “exportar” sua cultura incomoda a elite?

As letras dos funks nada mais são que a fiel manifestação de um ambiente sócio-cultural com limitadas oportunidades “culturais” para as pessoas humildes. Parece que os (pseudo) intelectuais na verdade gostariam que um menino da favela repentinamente tivesse uma inspiração e escrevesse uma belíssima e complexa ópera. Será esta manifestação possível no referido meio? Na verdade os funkeiros dificilmente poderiam fazer algo mais do que fazem e, mesmo se o fizessem, estariam fora do próprio contexto (o que não seria ruim, somente improvável e incomum). Isto é explicado pelo “paradigma da macieira”.

Imagine que você tenha um espaço no quintal de sua casa e decide aproveita-lo enchendo-o de sementes, estas sementes plantadas começam a se desenvolver e transformam-se em promissoras mudas, de promissoras mudas passam a vistosas árvores, e estas vistosas árvores demonstram-se prolíferas macieiras. Tudo bem até aqui, certo? Errado! Você não gosta de maçãs, na verdade você odeia maçãs, você esperava mesmo é que as vistosas árvores lhe oferecessem laranjas. Então sempre que possível você vai até o pomar e arranca todas as maçãs que consegue sempre reclamando: “Droga de maçãs cismam de crescer no meu pomar.”, “Na verdade eu queria mesmo é que fossem laranjas”.

É exatamente isso que acontece em nossa sociedade, o que resolvi chamar de “paradigma da macieira”, o ambiente que proporcionamos a determinados segmentos sociais só possibilita uma limitadíssima gama de possibilidades. Se plantarmos macieiras em nosso pomar, não há como as culparmos por serem macieiras e nem esperar que elas nos forneçam laranjas, a única maneira de colhermos laranjas seria removendo a raiz do problema e reiniciando o processo de seu ponto mais básico (plantação/educação), pois, por mais eficaz que seja a remoção das maçãs, elas nada mais são que a manifestação final de todo um processo viciado em erros desde seu mais longínquo início e que continuará a gerar seus mesmos frutos enquanto suas raízes forem fortes. 
Antes de julgar os funkeiros por manifestarem sua realidade, devemos analisar criticamente as oportunidades que a sociedade lhes deu e julgar quem são os verdadeiros culpados da história: Será que podemos culpar as maçãs por serem maçãs?

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