Por muito tempo, atribui-se à carga ou intensidade de carga um papel de grande importância na prescrição de treinamento de força (TF). De acordo com as recomendações tradicionais, cargas relativamente altas (≥ 70% de 1RM) são um pré-requisito para potencializar os ganhos de massa muscular, principalmente em indivíduos treinados (AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE, 2009; GARBER et al., 2011). Sendo assim, intervalos de cargas foram estabelecidos e o aumento na intensidade de carga se trornou mandatório como progressão de treinos voltados à hipertrofia muscular. No entanto, poucas evidências sustentam o posicionamento a favor da exclusividade de cargas altas e os mecanismos envolvidos no processo ainda não são bem estabelecidos.
Atividade Muscular
Acredita-se que a utilização de cargas altas é capaz de recrutar um maior número de fibras musculares e promover ótimas adaptações ao treinamento comparado com cargas leves. No entanto, a utilização de cargas leves (< 60% 1RM) em séries realizadas até à fadiga, também pode resultar em uma grande atividade muscular (CARPINELLI, 2002). Para a realização de séries com cargas altas, é preciso recrutar de forma simultânea uma maior quantidade de unidades motoras (UM). Por outro lado, séries realizadas com cargas leves requerem uma menor quantidade de UM, o que reflete na amplitude do sinal elétrico observado durante o exercício (JENKINS et al., 2015). Fazer inferências de ativação muscular baseadas nesta análise, pode dar a falsa ideia que cargas altas promovem uma maior ativação muscular comparado com cargas leves. No entanto, essa análise desconsidera que à medida que uma contração submáxima é prolongada, as UM ativas são levadas à fadiga e novas UM são recrutadas para manter a força necessária para a realização da tarefa (ADAM, 2003). A alternância de UM é um mecanismo em potencial para explicar como séries com cargas leves realizadas até a falha muscular momentânea, podem promover um recrutamento de fibras musculares similar às séries que utilizam cargas altas. De qualquer forma, análises mais detalhadas são necessárias para maiores esclarecimentos sobre este tópico envolvendo diferentes intensidades de carga.
Síntese proteica
Para a formação de novas miofibrilas e consequente crescimento muscular, é necessário que haja um balanço proteico positivo (anabolismo), ou seja, a síntese de proteínas deve superar à quebra (FISHER; STEELE; SMITH, 2013; PHILLIPS, 2009). Sendo assim, uma sessão de TF deve estimular o aumento da síntese proteica, favorecendo os ganhos de massa muscular. Burd e colaboradores (BURD et al., 2010) avaliaram o efeito de 3 configurações de cargas diferentes no aumento da síntese proteica em jovens ativos. Os participantes foram testados em 4 séries de extensão unilateral de joelho nas situações: (1) 90% de 1RM até a falha muscular momentânea; (2) 30% de 1RM até a falha muscular momentânea; (3) 30% de 1RM com o volume (carga x reps) equalizado com a condição 1. A velocidade de execução foi controlada e nas condições 1 e 2 os participantes eram encorajados verbalmente para que a falha muscular fosse de fato alcançada. Para se ter uma ideia, na condição 1 os participantes realizaram uma média de 5 repetições por série, enquanto na condição 2 e 3 realizaram uma média de 24 e 14 respectivamente. De acordo com os resultados, apenas as condições 1 e 2 promoveram aumentos significativos na síntese proteica após a sessão de exercício, sendo que a condição 2 sustentou esse aumento por mais tempo comparado a condição 1. Além do mais, a condição 3 não apresentou alterações significativas na síntese proteica pós-exercício. Ou seja, o exercício realizado com caga leve (30%) é capaz de promover aumentos significativos na síntese proteica desde que seja realizado até a falha muscular momentânea. Para entender o processo, os autores propões um modelo teórico baseado na atividade muscular. Dessa forma, quando se emprega um esforço máximo na realização do exercício, o alto recrutamento de fibras musculares ultrapassa o limiar de estimulação que serve como gatilho para a estimulação ótima da síntese proteica (BURD et al., 2012).
Adaptações Crônicas
Para investigar se o aumento na síntese proteica observado após a realização de séries máximas utilizando cargas leves teria relação com os ganhos de massa muscular, Mitchell e colaboradores (MITCHELL et al., 2012) submeteram jovens sem experiência prévia em TF a 10 semanas de treinamento. Os participantes realizaram 3 séries de extensão unilateral de joelho em diferentes intensidades de carga (30 ou 80% de 1 RM) 3 vezes por semana. Para evitar a influência da individualidade biológicas nos desfechos avaliados, cada membro do participante foi sorteado para uma intensidade de carga diferente (baixa ou alta), dessa forma, o participante passava a ser o comparativo dele mesmo. As séries eram realizadas até a falha muscular momentânea e a carga ajustada para manter o mesmo número de repetições nas séries subsequentes. A espessura do quadríceps foi avaliada por ressonância magnética e biópsia. Ao final do treinamento, ambas as condições apresentaram aumentos expressivos na espessura muscular, sem diferença entre os grupos. Ou seja, a intensidade de carga (%RM) não foi relacionada com os ganhos de massa muscular em homens destreinados.
Considerando que indivíduos iniciantes apresentam uma maior capacidade de adaptação ao treinamento (FOLLAND; WILLIAMS, 2007), os resultados observados no estudo de Mitchell e colaboradores (2012) poderiam, de alguma forma, ter sofrido influência da característica da amostra. Restava saber, se esses mesmos resultados seriam reproduzidos em indivíduos treinados. Para isso, Morton e colaboradores (MORTON et al., 2016) investigaram o efeito de diferentes intensidades de carga em jovens com experiência mínima de 2 anos em TF. Os participantes foram divididos aleatoriamente em grupos com diferentes intensidades de carga: (1) carga baixa (30-50% de 1RM); (2) carga alta (75-95%). Treinos de corpo inteiro foram realizados 4 vezes por semana e as séries eram levadas até a falha muscular momentânea. Após 12 semanas, os participantes foram reavaliados para medidas de massa muscular. De acordo com os resultados, ambos os grupos experimentaram ganhos de massa muscular, sem diferença entre eles. Reforçando os achados de Mitchell e colaboradores: desde que realizadas até falha, séries utilizando cargas leves <60% promovem efeitos similares na hipertrofia muscular quando comparado com cargas altas. Independentemente do nível de condicionamento físico do indivíduo.
Dessa forma, a literatura científica nos mostra que não há necessidade de se utilizar cargas altas para induzir hipertrofia e, muito menos, há uma carga ótima para promover tal adaptação. No entanto, é importante lembrar que ao usar cargas leves o treino dever ter um elevado grau de esforço, sendo realizado até a falha, ou ao menos próximo a ela.
REFERÊNCIAS
ADAM, A. Recruitment Order of Motor Units in Human Vastus Lateralis Muscle Is Maintained During Fatiguing Contractions. Journal of Neurophysiology, v. 90, n. 5, p. 2919–2927, 2003.
AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. Progression models in resistance training for healthy adults. Medicine and Science in Sports and Exercise, v. 41, n. 3, p. 687–708, mar. 2009.
BURD, N. A. et al. Low-Load High Volume Resistance Exercise Stimulates Muscle Protein Synthesis More Than High-Load Low Volume Resistance Exercise in Young Men. PLoS ONE, v. 5, n. 8, p. e12033, 2010.
BURD, N. A. et al. Bigger weights may not beget bigger muscles: evidence from acute muscle protein synthetic responses after resistance exercise. Applied Physiology, Nutrition, and Metabolism, v. 37, n. 3, p. 551–554, 2012.
CARPINELLI, R. N. Berger in retrospect: effect of varied weight training programmes on strength. British journal of sports medicine, v. 36, n. 5, p. 319–324, 2002.
FISHER, J.; STEELE, J.; SMITH, D. Evidence-Based Resistance Training Recommendations for Muscular Hypetrophy. Medicina Sportiva, v. 17, n. 4, p. 217–235, 2013.
FOLLAND, J. P.; WILLIAMS, A. G. The Adaptations to Strength Training Increased Strength. Sports Medicine, v. 37, n. 2, p. 145–168, 2007.
GARBER, C. E. et al. Quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory, musculoskeletal, and neuromotor fitness in apparently healthy adults: Guidance for prescribing exercise. Medicine and Science in Sports and Exercise, v. 43, n. 7, p. 1334–1359, 2011.
JENKINS, N. D. M. et al. Muscle activation during three sets to failure at 80 vs. 30 % 1RM resistance exercise. European Journal of Applied Physiology, v. 115, n. 11, p. 2335–2347, 2015.
MITCHELL, C. J. et al. Resistance exercise load does not determine training-mediated hypertrophic gains in young men. Journal of Applied Physiology, v. 113, n. 1, p. 71–77, 2012.
MORTON, R. W. et al. Neither load nor systemic hormones determine resistance training-mediated hypertrophy or strength gains in resistance-trained young men. Journal of Applied Physiology, v. 121, n. 1, p. 129–138, 2016.
PHILLIPS, S. M. Physiologic and molecular bases of muscle hypertrophy and atrophy: impact of resistance exercise on human skeletal muscle (protein and exercise dose effects)This paper is one of a selection of papers published in this Special Issue, entitled 14th Internat. Applied Physiology, Nutrition, and Metabolism, v. 34, n. 3, p. 403–410, 2009.