A Obesidade é considerada um problema de saúde pública, pois sua complexidade e suas causas têm desafiado especialistas da área de saúde (Clinica, Cirúrgica, Educação Física, Psicologia etc). As alterações fisiopatológicas associadas a essa doença comprometem grande parte dos sistemas do organismo, dificultando ainda mais seu tratamento.
Um indivíduo é considerado obeso quando a quantidade de tecido adiposo aumenta em uma extensão tal que a saúde física e psicológica são afetadas e a expectativa de vida é reduzida 10.A distribuição da gordura corporal pode ser classificada em: 1.Central, superior ou andróide: mais comum em homens, nos quais a gordura está distribuída preferencialmente no tronco, com deposição aumentada na região intra-abdominal visceral.
2.Periférico, inferior ou ginóide: a gordura acumula-se na região dos quadris, nádegas e coxas. Um padrão mais feminino de distribuição 2.(Ver :http://www.gease.pro.br/abdomen.htm)
Entre 1975 e 1997 a prevalência da obesidade no País aumentou de 8 para 13% nas mulheres e de 3 para 7% nos homens, sendo o maior aumento encontrado nas crianças que passou de 3 para 15% . Isso tem preocupado os especialistas, pois existe uma chance entre 50 e 70% delas chegarem a idade adulta obesas e com problemas de saúde. Esse aumento de mais de 400%, pode ter sua causa relacionada à diminuição da atividade física, pois as crianças estão trocando as brincadeiras e a prática esportiva por computadores, televisão, e jogos eletrônicos; e uma alimentação saudável por alimentos industrializados.
Os resultados demonstrados por um estudo feito pela Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN), no que diz respeito à situação econômica, o Brasil revelou que a prevalência do excesso de peso aumenta de acordo com o poder aquisitivo, especialmente entre os homens 3. O que tem sido observado é que a obesidade afeta principalmente indivíduos do sexo masculino de classe social mais alta 9 e que o Sul do País apresentou a maior prevalência de obesidade, sendo essas semelhantes, ou até mesmo superiores, a países desenvolvidos.
A literatura científica é extremamente escassa no tocante as barreiras terapêuticas e diagnósticas no tratamento da obesidade. As maiores dificuldades encontradas são: enfrentar os traumas acarretados pela doença, a dura missão da prescrição de medicamentos e de exercícios físicos e lidar com o problema de que a obesidade atinge os sistemas cardiovascular, respiratório, geniturinário e digestório, o que torna ainda mais complexa a busca pela cura.
Um estudo publicado em 2002, feito no hospital universitário de Salvador, avaliou 316 obesos classe III , durante oito anos. O índice de massa corpórea (IMC) era em média de 47±6kg/m2 e a maioria deles apresentavam obesidade desde a infância (36%) ou puberdade (14%) e 82% tinha história familiar. Os casos de hipertensão arterial foram constatados em 66%, diabetes mellitus 13,9%, intolerância à glicose 16,8%, aumento dos níveis de colesterol total e triglicérides (³ 200mg/dl) 33,5% e 8%, respectivamente, HDL colesterol baixo (<40mg/dl) 39,9% e LDL-colesterol elevado (³100mg/dl) 66,7% 14. Esses dados confirmam que o grande problema de se tratar à obesidade é o fato de que essa patologia vem sempre acompanhada de outras doenças com elevados fatores de risco.
Neste mesmo estudo foram coletados outros dados interessantes em relação à idéia do paciente a respeito da causa que o levou a engordar:
1. Ansiedade 21,1%
2. Excesso alimentar 12,9%
3. Gestações 11,5%
4. Uso de anticoncepcional 10%
5. Hereditariedade 9,6%
6. Casamento 8,5%
7. Cirurgia 6%
8. Outras medicações 4%
9. Motivos diversos 16,4%
10. Não souberam atribuir os motivos 14,4%
Condições clínicas que podem acompanhar a Obesidade
Existem inúmeras complicações associadas à obesidade, representando um desafio para os profissionais da saúde. Entre elas podemos citar as seguintes condições encontradas no artigo de Marcio Mancini 12:
– Cardiovasculopatias: Doença cerebrovascular, doença vascular periférica, arritmia ventricular, hipertensão, trombose, doença coronariana e morte súbita;
– Disfunção psicossocial: Prejuízo da auto-imagem, sentimentos de inferioridade, isolamento social, discriminação social, econômica e outras, susceptibilidade a psico-neuroses, perda de mobilidade, aumento de faltas ao trabalho e licenças médicas, aposentadoria mais precoce;
– Doença dermatológica: Estrias, acantose nigricans, hirsutismo, intertrigo, calo plantar, papilomas, dermatite perianal;
– Doença gastrintestinal: Hérnia de hiato, litíase biliar, colecistite, esteatose hepática;
– Doença genitourinária: Anormalidades menstruais e anovulação, diminuição de performance, obstétrica (toxemia, hipertensão e diabetes durante a gestação, trabalho de parto prolongado, cesariana mais freqüente), proteinúria;
– Doença musculoesquelética: Osteoartrose de coluna e joelho; síndrome do túnel do carpo; gota; esporão de calcâneo; desvios posturais.
– Doenças respiratórias: apnéia obstrutiva do sono, síndrome da hipoventilação da obesidade, policitemia secundária, doença pulmonar restritiva;
– Endocrinopatias: Hipotiroidismo, infertilidade, hiperuricemia, diabetes mellitus, dislipidemia;
– Miscelânea: Aumento do risco cirúrgico e anestésico, hérnia inguinal e incisional, diminuição de agilidade física e aumento da propensão a acidentes, interferência com o diagnóstico de outras doenças;
– Neoplasias: Mama, cérvix, ovário, endométrio, próstata, colorretal, vesícula biliar.
Mensuração
O percentual de gordura considerado aceitável para os adultos do sexo masculino está entre 18 e 25% e do sexo feminino 20% a 30. Como curiosidade podemos citar a média de percentual de gordura dos seguintes atletas: jogadores profissionais de futebol (10% a 12%); corredor de maratona (6 a 7%) 1, sem contar os fisiculturistas que possuem menos de 4%.
Existem vários métodos para medir o percentual de gordura corporal, os mais precisos são a tomografia computadorizada, ressonância magnética e o DEXA. Porém um dos métodos mais usado pela comunidade médica é a bioimpedância, que estima a quantidade de tecido adiposo e massa livre de gordura através da avaliação da resistência e reactância a uma corrente elétrica de baixa freqüência, com o custo mais acessível, contudo com precisão apenas satisfatória.
Outro método bastante utilizado, e que possui uma avaliação bastante prática e rápida é o índice de massa corporal (IMC), uma medida que relaciona peso e altura com uma boa correlação com a quantidade de gordura corporal. Porém, quando realizado em atletas ou indivíduos que possuem valores altos de massa magra, não se torna tão fidedigno, pois apresentam um valor de IMC falsamente elevado. (Ver: http://www.gease.pro.br/qto_vc_pesa.htm). Para calcular, basta dividir o peso corporal (kg) pela altura (m) elevada ao quadrado, com o resultado expresso em kg.m2. Indivíduos com IMC < 18,5kg.m2 têm baixo peso e risco de doenças; o IMC < 25kg.m2 é considerado normal; a faixa entre 25 e 29,9kg.m2 é denominada pré-obesidade ou sobrepeso e os riscos de complicações ainda são baixos. IMC a partir de 30kg.m2, é considerado obesidade propriamente dita, com a morbidade e a mortalidade aumentadas exponencialmente 7, sendo a obesidade com IMC > 40kg.m2 denominada obesidade grave, mórbida ou ainda obesidade classe III, nas quais ocorre um maior risco de mortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, síndrome da apnéia do sono, alguns tipos de cânceres e muitas outras condições patológicas 9,15.
[Tabela 1 – Classificação da obesidade recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por graus progressivamente maiores de morbimortalidade utilizando oIMC.]
IMC (kg.m2) |
Denominação |
Grau de obesidade |
Risco de Complicações |
|
18,5-24,9 |
Peso saudável |
0 |
0 |
|
25-29,9 |
Pré-obeso |
I |
Baixo |
|
30-39,9 |
Obeso |
II |
Moderado a alto |
|
40 |
Obeso grave |
III |
Altíssimo |
Em academias de ginástica e clínicas de nutrição, a avaliação da composição corporal normalmente é feita através da mensuração de dobras cutâneas. Existem vários protocolos, porém o instrumento usado para medir (compasso de dobras ou adipometro) geralmente, possui limitações ao medir grandes dobras e dependendo da densidade da superfície corporal o avaliador não consegue “pegar” a camada de gordura. Esses dois fatores tornam esse método inviável para se avaliar indivíduos obesos. Neste caso são utilizados protocolos de circunferência que também são capazes de estimar a gordura corporal além de estabelecer um prognóstico de risco para a saúde, é o exemplo da análise da relação cintura quadril, que é de grande valia, já que o padrão de distribuição de gordura está intimamente ligado a risco cardiovascular e à síndrome metabólica. Um estudo em caucasianos na Holanda mostra que medidas de circunferência abdominal que conferem risco de complicações metabólicas associadas à obesidade são: Para homem (Elevado: 94cm – Muito elevado: 102 cm) e para Mulheres (Elevado: 80cm – Muito elevado: 88cm) 8.
Farmacológicos
O uso de farmacológicos para emagrecer sempre foi alvo de criticas, principalmente por ocorrerem muitos erros no uso racional, generalização na prescrição dos medicamentos e abusos na comercialização de produtos. A escolha do medicamente antiobesidade deve se basear nas doenças associadas à obesidade, presenças de sintomas depressivos, tipo de alimentação, atividades físicas e experiências de medicações anteriores.Para se entender o uso racional de medicamentos antiobesidade é importante ter em mente algumas observações 11:
1. O tratamento farmacológico só se justifica em conjunção com orientação dietética e mudanças de estilo de vida. Os agentes farmacológicos somente ajudam a aumentar a aderência dos pacientes a mudanças nutricionais e comportamentais.
2. O tratamento farmacológico da obesidade não cura a obesidade, quando não há continuidade ocorre novamente o ganho de peso.
3. Medicações devem ser utilizadas sob supervisão profissional contínua.
4. O tratamento e a escolha medicamentosa deve ser individual.
5. Os riscos associados ao uso de uma droga devem ser avaliados em relação aos riscos da persistência da obesidade.
6. O tratamento deve ser mantido apenas quando considerado seguro e efetivo para o paciente.
7. O tratamento com agentes farmacológicos não é recomendado para crianças, pois não há estudos suficientes nessa faixa etária.
Para avaliar se um tratamento antiobesidade está sendo eficiente, geralmente é feita uma relação entre o peso inicial e a quantidade de gordura que o indivíduo perdeu. Os critérios mais usados são os do FDA- Food and Drug Administration dos EUA 13 e do CPMP- Committee of the European Agency for the Evaluation of Medicinal Products 14. O FDA cita como critério uma perda de peso maior que 5% em relação ao placebo e que seja estatisticamente significativa, enquanto que o CPMP sugere uma perda maior que 10%. Sendo esses resultados obtidos, na maioria dos estudos, depois de 20 a 24 semanas.
Considerações Finais
Muitos fatores contribuem para o desenvolvimento da obesidade, como predisposição genética, estilo de vida, fatores sócio-culturais e étnicos. Além disso, os maus hábitos alimentares e a falta de exercício também são responsáveis pelo crescimento acelerado dessa doença.
A preocupação maior é com a dificuldade do tratamento, mas o principal meio de combate deve ser a prevenção. A atividade física pode ser considerada uma das profilaxias, porém mais da metade da população adulta é sedentária ou inativa e isso tem atingido também as crianças. Estudos revelam que o sedentarismo é responsável por cerca de um terço das mortes por doença coronariana, câncer de cólon e diabetes.
Mais uma vez fica claro que a prática de exercícios deve ser incentivada desde a infância. Criar o hábito e o interesse por uma vida ativa pode trazer benefícios do ponto de vista educacional e social, além de proporcionar uma prevenção não somente da obesidade, mas de várias doenças.
O mais importante é não deixar que se atinja a obesidade e para isso é preciso “educar”.
Referencias Bibliográficas
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4. DUNCAN BB. As desigualdades sociais na distribuição de fatores de risco para doenças são transmissíveis. Porto Alegre, 1991. Tese de Doutorado – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
5. European Agency for the Evaluation of Medicinal Products, Committee for Proprietary Medicinal Products (CPMP). Clinical investigation of drugs used in weight control. The European Agency for the Evaluation of Medicinal Products, London, UK, 1997.
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10. National Institutes of Health Consensus Development Conference Statement. Health implications of obesity. Ann Intern Med 1985 1985;103:147-51.
11. MANCINI MC & HALPERN A Tratamento Farmacológico da Obesidade. Arq Bras Endocrinol Metab vol 46 nº 5 Outubro 2002.
12. MANCINI MC. Obstáculos diagnósticos e desafios terapêuticos no paciente obeso. Arq Bras Endocrinol Metab vol 45 nº 6 Dezembro 2001.
13. SAMANIN R, GARATTINI S. Neurochemical mechanism of action of anorectic drugs. Pharmacol Toxicol 1993;73:63-8. (17)
14. VAZ PORTO MC, BRITO IC, CALFA AD, AMORAS M, VILLELA NB, ARAÚJO LM. Perfil do obeso classe III do ambulatório de obesidade de um hospital universitário de Salvador, Bahia. Arq Bras Endocrinol Metab vol 46 nº 6 Dezembro 2002
15. World Heath Organization. Report of a WHO Consultation on Obesity. Preventing and managing the global epidemic. WHO, Geneve,1998.