Prescrição e benefícios da atividade física em indivíduos transplantados

Por Diógenes Alves

9 de junho de 2003

Um dos estudos mais completos sobre atividade física em transplantados, o de KAVANAGH (1988) relatou melhora significativa da resposta ventilatória durante o exercício após treinamento físico em transplantados, indicando que a atividade física é fundamental para a recuperação do indivíduo no pós-transplante, ajudando-o a desenvolver as atividades diárias.

SALLES (2000) e FERRAZ (1995) demonstraram a importância da prática regular de atividade física por esses indivíduos. Diversos benefícios fisiológicos podem ser obtidos, tais como: redução da freqüência cardíaca e pressão arterial tanto em repouso como no exercício submáximo; aumento da freqüência cardíaca e pressão arterial sistólica no exercício máximo, aumento do limiar anaeróbico, ventilação máxima e consumo máximo de oxigênio; redução da pressão arterial diastólica no pico do exercício; retardo na elevação dos níveis de lactato durante o exercício; redução nos valores da percepção do esforço (Escala de Borg), na gordura corporal e melhora do perfil lipídico e psicossocial.

Tendo em vista a necessidade de entendimento dos procedimentos de avaliação física e prescrição de treinamento físico específico para transplantados, esse estudo visa citar a importância e as possíveis divergências referentes à avaliação física, além de propostas de treinamento para o grupo especial citado. 

Avaliação física – o teste de esforço ergométrico é válido como exame?
O teste de esforço ergométrico é um exame comumente utilizado para prescrição de exercício em programas supervisionados tanto para indivíduos normais como para os indivíduos em período de reabilitação. 

Entretanto, o teste ergométrico convencional tem baixo desempenho no pós-transplantado cardíaco na detecção da doença arterial coronariana em relação a outros exames de avaliação. EHRMAN (1993) atribui, por exemplo, uma baixa sensibilidade do teste ergométrico na detecção da isquemia miocárdia à baixa freqüência cardíaca alcançada no pico do exercício e à alta prevalência de bloqueio completo do ramo direito do coração nos indivíduos transplantados.

As respostas de F.C. (Freqüência Cardíaca) e P.A. (Pressão Arterial) dos transplantados durante o esforço são freqüentemente modestas e outros parâmetros tais como esforço percebido, são mais bem utilizados para avaliar a intensidade do exercício (SALLES, 2000). 

Como devem ser os exercícios para transplantados

HESS (2002) cita os principais tipos de exercícios recomendados para os portadores de diferentes doenças cardíacas, as quais podemos inserir o transplantado. O autor subdivide as atividades segundo seu comportamento primário, em:. 

a) Isotônico – caminhada, marcha, golfe, natação e corrida;

b) Isométrico – squash e basquetebol não competitivos;

c) Aceleração súbita (ou domésticos) empurrar carro, mover móveis pesados.

A maioria dos defeitos cardíacos corrigidos por procedimento intervencionista ou cirúrgico pode ter resíduos ou desenvolver complicações tardias, que podem alterar o resultado a longo prazo. Desta maneira, o acompanhamento cardíaco é apropriado em intervalos proporcionais ao estado clínico do paciente e ao risco inerente de complicações (HESS, 2002). 

Os transplantados são aqueles pacientes que foram submetidos à correções cirúrgicas paliativas ou limitadas, mas que tem doença residual grave para qual não houve outra terapia cirúrgica possível, além do transplante (HESS, 2002). Sendo assim, existem condições limitadoras ao exercício as quais devem ser constantemente monitoradas e analisadas pelo profissional que prescreve tal treinamento físico. 

Exercícios Aeróbicos
 
Em geral, pela literatura científica (SALLES, 2000; FERRAZ,1995), os transplantados devem exercitarem-se três a cinco vezes por semana, entre 50 a 75% do VO2 máximo e escala de Borg entre 13 e 15. No estudo de DEGRE (1986) foram estimulados valores entre 60 a 80% da freqüência cardíaca máxima como intensidade de trabalho, pode se ver um treino normal e até mesmo que exige um certo vigor físico, obtendo após o treinamento resultados expressivos como o aumento do VO2 máximo, freqüência cardíaca máxima e pressão arterial sistólica máxima.

O treinamento aeróbio pode ser iniciado alguns dias após a operação com pequenas caminhadas até que possa ser realizado o teste de esforço, em média 37 dias pós-operatório (NISET, 1988). NISET (1988), iniciou o programa de reabilitação, após apenas 4 dias depois da operação com caminhadas, pedalada em cicloergômetro e exercícios calistênicos, sem reportar nenhuma contra-indicação obtendo bons resultados. É importante salientar que o teste de esforço ergométrico só foi realizado 37 dias após o transplante.

Devido à resposta hormonal que afeta a regulação do sistema circulatório (lembrando que os transplantados não possuem inervações simpáticas e parassimpáticas tendo respostas hemodinâmicas pelo fator humoral ver Exercício físico e transplantados cardíacos), um aquecimento antes do exercício é fundamental para que o indinvíduo não tenha picos de adrenalina após o fim do exercício resultando em freqüências e pressões altas mesmo com a interrupção do treino (VILLE, 2002).

Exercícios Resistidos
 
Em geral os estudos demonstram que os exercícios resistidos têm, ao contrário que muitos pensam, papel único e fundamental na recuperação do indivíduo transplantado e que o treinamento deve iniciar o mais cedo possível. Existe uma queda do vigor e da força muscular de portadores de transplante persistente até 18 meses após a cirurgia (BRAITH, 1993). Este decréscimo de força estaria relacionado à queda observada no consumo de oxigênio no pico do exercício, indicando o treinamento de resistência progressivo nos programas de reabilitação (BRAITH, 1993). Outro fator importante do treinamento com pesos é o combate à osteoporose, uma patologia freqüente dentre as inúmeras complicações pós-transplante, devido ao uso de medicamentos. Os exercícios conseguiram reverter os níveis de densidade mineral óssea para normais em um período de 6 meses (BRAITH,1996). 

Por último os exercícios com peso tem demonstrado eficiência na restauração da composição corporal após as mudanças provocadas pelo uso de medicamentos pós-transplante, conseguindo reverter o aumento de percentual de gordura em 6 meses (BRAITH,1998).

O treinamento resistido possui os princípios, conselhos e particularidades para portadores de deficiência do sistema cardiovascular (FERRAZ, 1995). No estudo de OLIVER (2001) verificou que uma única série de exercícios no leg press, em torno de 28 repetições com cargas em 50% de 1 RM, já teria efeitos benéficos aos transplantados e que este teria efeito seguro nas capacidades fisiológicas do individuo. Importante salientar que a amostra continha indivíduos com apenas 3 meses pós-transplante.

Enfim, a atividade física é de fundamental importância para o transplantado voltar com suas atividades diárias e uma equipe multidisciplinar com professores de educação física bem preparados será a diferença no processo de reabilitação. 

Referências Bibliográficas
 
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HESS, MICHAEL L. Doenças Cardíacas- primeiros cuidados/ Trad. Aluísio Augusto Marques, São Paulo-SP, Editora Manole, 2002.

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KAVANAGH T, YACOUB MH, MERTENS DJ, KENNEDY J, CAMBELL RB, SAWYER P. 

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OLIVER D, PFLUGFELDER PW, MCCARTNEY N, MCKELVIE RS, SUSKIN N, KOSTUK WJ. Acute cardiovascular responses to leg-press reistance exercise in heart transplant recipients. Int J Cardiol 2001 Nov;81(1):61-74 

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VILLE NS, VARRAY A, MERCIER B, HAYOT M, ALBAT B, CHAMARI K, PREFAUT C, MERCIER J. Effects of an enhanced heart rate reserve on aerobic performance in patients with a heart transplant. Am J Phys Med Rehabil 2001Aug;81(8):584-9

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