Os primeiros estudos a analisar a marcha humana foram realizadosna década de 1940 com o intuito de verificar os problemas enfrentados por indivíduosamputados de membro inferior. Nesta época, os instrumentos utilizados nas análisesforam filmagens, plataformas de força, luzes estroboscópicas, inserção depinos, passarelas de vidro e eletromiografia. Nas investigações posteriores,as pesquisas mudaram de foco e passaram a envolver a dinâmica da locomoçãohumana, gasto de energia em pessoas normais e com deficiência e os efeitos daimobilização de articulações.
Entretanto, a compreensão dos mecanismos da marcha humana começou a seexpandir com as medições quantitativas do andar normal, que foi utilizado paradescrever, comparar e avaliar como os indivíduos com deficiência na marchacompensam suas dificuldades (Rose e Gamble, 1998).
A marcha parece sofrer uma maturação final, voltada para os níveis adultos,por volta dos 5 a 7 anos (Donker, 2000). Entretanto, a compreensão dos padrõesmaduros normais depende da complexa interação entre o desenvolvimento e ocrescimento (David, 2000). Sutherland et al. (1988) descrevem cinco variáveisespaço-temporais que podem ser indicadores da maturação da marcha: duraçãodo apoio simples, velocidade do andar, cadência, comprimento do passo e aproporção entre a largura da pelve e a largura do passo. Segundo os autores, apresença desses fatores não assegura a maturação, mas a falta de um delespode ser um indicador de marcha patológica.
Diversos estudos têm sido realizados em busca de uma melhor compreensão dascaracterísticas do padrão da marcha (Dingwell e Cusumano 2000; Dingwell eMarin, 2006; Buzzi et al., 2003) envolvendo diferentes populações e situações(David, 2005; Dingwell e Cusumano, 2000; David, 2000; Murray, 1984). Nessesentido, a biomecânica tem contribuído através da cinemática, descrevendo asvariáveis espaços-temporais (posição, velocidade e cadência) e da cinéticamedindo as forças. Assim, a utilização conjunta de câmeras de vídeo,plataformas de força e eletromiógrafos tem se tornando cada vez mais frequente,constituindo um sistema quantitativo de avaliação tanto em indivíduos normaisquanto em portadores de patologias (Vaughan et al., 1996; Rose e Gamble, 1998;Hamil e Knutzen, 1999; David, 2000).
Caracterização da marcha humana:
A marcha humana consiste na transferência de peso de um membro inferior paraoutro, enquanto se mantém simultaneamente a estabilidade no apoio. Essemovimento varia entre os indivíduos, principalmente devido às diferenças depeso, altura, sexo, idade (Estrázulas, 2005). Mas, podemos dizer que existe um“padrão ideal” para a marcha. Isto é, uma forma mais adequada de sedeslocar com menor esforço físico, maior estabilização dos segmentos emelhor controle muscular. No entanto, é muito dificil avaliar (qualificar equantificar) a marcha. Desta forma, torna-se cada vez mais necessário que estemovimento humano seja estudado.
A maior unidade da marcha é chamada de ciclo da marcha, ou seja, uma passadaque começa quando um calcanhar toca o solo e termina quando o mesmo calcanhartoca novamente o solo. Podemos dividi-la em fase de apoio (subdividida emcontacto inicial e o momento em que o pé posterior toca o solo) e fase de balanço(Novacheck, 1998).
A marcha é descrita basicamente por meio de parâmetros, como variaçãoangular dos segmentos corporais, alterações do sinal eletromiográfico durantea contração dos músculos envolvidos no movimento e distribuição das forças,que pode ser estimada ou medida diretamente. Essas variáveis são descritas emfunção de percentuais do ciclo da passada e podem ser observadas sobdiferentes planos: sagital, frontal e occipital. Normalmente são demonstradospor meio de gráficos ficando o instante do ciclo ou tempo no eixo horizontal(X) e as variáveis no eixo vertical (Y).
A marcha madura representa a última aquisição motora de uma criança saudável.Por outro lado, bebês que nascem com alterações patológicas em estruturasneurais talvez nunca atinjam esse estágio. Pacientes que adquiriram lesões nosistema nervoso central também poderão ter dificuldades de caminharnormalmente (Bobath, 1978). Nesse sentido, é importante que pesquisas sobre amarcha sejam realizadas constantemente, pois esses estudos podem auxiliar otrabalho dos profissionais que lidam com a reabilitação. Segue abaixo umabreve explanação de alguns sistemas de avaliação da marcha humana.
Sistema de imagens:
Devido à disponibilidade, durabilidade e facilidade da utilização de modernascâmeras de vídeo, o sistema de imagens tem sido um dos métodos maisutilizados para a análise qualitativa do movimento humano (Hall, 2000).Inclusive, sistemas ópticos com avaliação automática das coordenadasespaciais dos segmentos corporais já estão sendo comercializados (Costa etal., 1995).
Esse tipo de avaliação é composto por câmeras de vídeo, conversores analógicosdigitais (capaz de adquirir um sinal em tempo real de pelo menos 60 fields/s) eum computador com monitor capaz de operar paletas de mais de 256 cores simultâneas(Serra, 2002; Loss, 2001). Agora, para obter a sincronização das imagens e o cálculodas variáveis espaços-temporais, as câmeras devem ser ligadas a um softwareespecífico. Muitos estudos utilizaram o Peak Motus. É importante ressaltar quea recomendação da frequência de aquisição das imagens seja de 60 HZ,quantidade suficiente para fornecer uma resolução temporal consideradaadequada para as análises biomecânicas (Costa et al., 1995; Paternian et al.,1999).
As imagens de vídeo proporcionam 30 quadros resolúveis por segundo, um númeroideal para a maioria das avaliações qualitativas do movimento. Mas éimportante considerar que os deslocamentos humanos ocorrem em três dimensões,ou seja, em três planos (sagital, transversal e frontal). Isso indica anecessidade de utilizar mais de uma câmera para uma posterior reconstrução domovimento tridimensionalmente.
Outro fator importante é que para garantir que todos os gestos sejamvisualizados e registrados com exatidão o número e o posicionamento das câmerasdevem ser previamente estudados (Hall, 2002).
Plataformas de Forças:
Esse sistema de avaliação é utilizado para medir as forças de reação dosolo no aparelho locomotor durante o movimento. A maioria das plataformasfornece uma descrição tridimensional da média do vetor força da reação dosolo. Assim é possível obter os 3 componentes de força (vertical,antero-posterior e médio-distal), as duas coordenadas do centro de pressão eos momentos sobre os eixos x, y e z (Loss et al., 1999).
São comuns as pesquisas que descreverem plataformas especialmente desenvolvidaspara o piso fixo ou para esteiras rolantes que são utilizadas como método paradeterminação dos padrões da marcha normal e principalmente para avaliaçãoda marcha patológica (Queiroz, 1999).
Eletromiografia:
A Eletromiografia é o estudo da função muscular por meio da análise do sinalelétrico emanado durante as contrações musculares. Esse sistema é largamenteutilizado para a análise da marcha humana, uma vez que permite um fácil acessoaos processos fisiológicos que leva o músculo a produzir força durante omovimento (Basmajian, 1985). Além disso, permite também observar e avaliardisfunção e processos fisiopatológicos dos músculos (Basmajian, 1985). Poisverifica qual musculatura está sendo ativada durante um determinado movimento equal a relação temporal da tensão muscular entre o músculo, isoladamente,com o grupo muscular em atividade (AMADIO,1989).
A eletromiografia clínica é utilizada na fisioterapia como instrumento capazde averiguar a função muscular durante tarefas intencionais e específicas,permitindo observar os padrões de resposta muscular com o intuito de planejar aterapia mais adequada.
Com relação à marcha humana, a eletromiografia vem sendo aplicada paraentender quais os músculos estão sendo ativados durante as fases do seu cicloe o que pode ser feito para auxiliar na detecção de patologias (Lee e Pollo,2001).
Apesar de ser uma boa ferramenta de avaliação do movimento humano, esse métodoapresenta algumas limitações: 1) Os movimentos corporais são afetados peloseletrodos, cabos e equipamento. 2) Apesar de existir uma padronização, é difícildeterminar os pontos anatômicos musculares para a fixação dos eletrodos. 3)Os eletrodos transmitem sinais de grandes áreas musculares, que não podem serexatamente definidas, de modo que podem ocorrer interferências de músculosvizinhos. Existe, portanto, a probabilidade da transmissão de potenciais de açãoque não pertençam ao grupo muscular em questão. 4) Também podem serverificadas interferências no sinal eletromiográfico devido à frequência detransmissão telemétrica ou mesmo por causa de eletrodos mal fixados, quedetectam registros insuficientes ou até falsos do potencial de ação (Amadio,1989).
Conclusão:
Os sistemas de avaliação que acabamos de apresentar tornaram-se um excelentemeio de auxilio na identificação e tratamento da marcha patológica, pois aaquisição de dados qualitativos podem ajudar na prescrição de fisioterapia eatividade físicas mais eficientes.
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