Onde estarei daqui a 30-40 anos? Ou melhor, como estarei daqui a 30-40 anos? A resposta para essa pergunta é sempre complexa, afinal de contas prever o futuro é uma habilidade que ainda não desenvolvemos. Mas ao mesmo tempo essa é uma reflexão necessária tendo em vista o aumento exponencial da nossa expectativa de vida. Poucas vezes durante nossas vidas pensamos na velhice. Quando crianças nosso maior desejo era que a vida adulta chegasse o mais rápido possível para desfrutar dos benefícios da independência. Quando adultos, nossa maior ambição é conseguir estabilidade financeira para colocar nossos desejos em prática, e de repente, como em um passe de mágica já estamos na velhice (ou “melhor idade” como a mídia costuma chamar) e só nesse momento nos damos conta que não nos preparamos para ela, e como qualquer atividade em que não se tenha planejamento ou preparação às chances de erros aumentam.
De 1900 até os dias atuais a medicina de maneira geral passou por uma completa revolução: descoberta de micro-organismos patológicos, desenvolvimento de vacinas, avanços no diagnóstico e cura de algumas doenças, avanços tecnológicos que permitiram maior precisão e acessibilidade aos procedimentos, diversos fatores que contribuíram para a medicina que conhecemos hoje. E como já era de se esperar com esses avanços a população de maneira geral passou a viver mais. Era comum na década de 30 que os homens não atingissem os 50 anos, hoje, a expectativa de vida nas Américas é de 67.5 anos. Mas nem tudo são flores, com o aumento da expectativa de vida aliada as mudanças comportamentais da sociedade (saída do campo para a cidade, estilo de vida sedentário, etc) a população passou a viver mais e que com menor qualidade tendo que se acostumar ao uso de inúmeros medicamentos para tratar as inúmeras doenças e prejuízos funcionais que vieram com o aumento da idade (Murray et al., 2015; Kassebaum et al., 2016).
Neste sentido a prática de atividade física regular, sistematizada e acompanhada pode servir como alternativa para a população idosa que já sofre com perdas funcionais e fisiológicas (diminuição da força e equilíbrio, aumento do tecido adiposo, diminuição do metabolismo) e que na maioria das vezes tem que lidar com diversas doenças associadas à idade como hipertensão arterial, diabetes, osteoporose, artrite, câncer e etc (Pescatello et al., 2004; Fagard e Cornelissen, 2007). No entanto é bastante comum encontrar pelos parques e praças da cidade idosos praticando a boa e velha caminhada, mas sem orientação ou acompanhamento enquanto que nas academias de musculação o número de idosos é quase nulo. Mas será que esse raciocínio esta correto?
Habitualmente grandes organizações de promoção à saúde e atividade física como American Heart Association ou American College of Sports Medicine recomendam para a população idosa exercícios aeróbios como caminhada, corrida, natação, bicicleta, etc, para minimizar o risco de doenças cardiovasculares além de melhorar outros aspectos como condicionamento físico, melhora da qualidade de vida e manutenção da independência do idoso ressaltando que qualquer atividade física deve ser acompanhada para esse público. Apesar de constar nas diretrizes o Treinamento Resistido (TR) ainda aparece de maneira tímida servindo muitas vezes como protocolo auxiliar aos exercícios aeróbios (Pescatello et al., 2004; Nelson et al., 2007).
A prescrição mais usual do TR para indivíduos idosos (especialmente para os que possuem alguma doença crônica) são de exercícios de modera intensidade (50-70% 1RM) de 8-12 repetições e que envolvam grandes grupos musculares realizados três vezes por semana. Os exercícios de alta intensidade não são nem encorajados nem proibidos, mas devem sempre ser prescritos avaliando o caso específico de cada individuo. Outro ponto que dificulta a prescrição do TR para indivíduos idosos são as variáveis negligenciadas como intervalo de descanso, volume de exercícios, intensidade específica, cadência e afins, fazendo com a prescrição do TR para essa população fique dificultada e que a escolha mais assertiva acabe sendo os exercícios aeróbios (Nelson et al., 2007; Goff et al., 2013).
Apesar da falta de recomendações completas por parte das grandes organizações, atualmente já esta bem descrito que o TR deve e pode ser aplicado para a população idosa inclusive utilizando protocolos de alta intensidade. Neste sentido um estudo desenvolvido por nosso grupo de pesquisa (LAMOVH-UFG) mostrou que um protocolo de TR de alta intensidade utilizando maior carga e menor número de repetições promoveu melhora em parâmetros cardiovasculares e autônomos mesmo de maneira aguda (Vale et al., 2018).
Neste estudo foram recrutas quinze mulheres hipertensas e com faixa etária variando entre 45-69, ou seja, no fim da fase adulta para a fase idosa e que nunca tiveram contato com a musculação. Foi proposto dois diferentes protocolos de TR, um utilizando 15RM (menor carga) e outro utilizando 6RM (maior carga), mas ambos deveriam ser executados até a falha mecânica. Parâmetros cardiovasculares como pressão arterial, frequência cardíaca e modulação autonômica foram avaliados antes e após cada protocolo. Ao final do estudo foi possível demonstrar que logo após o protocolo de 6RM as mulheres tiveram melhora na modulação autonômica cardíaca quando comparada as do grupo controle e 15RM, ou seja, executar o TR de maneira intensa mesmo para uma população idosa e com doenças crônicas associadas pode não ser tão ruim assim, pelo contrário, pode auxiliar no controle autonômico do coração além dos benefícios já promovidos pelo TR naturalmente como aumento da força muscular, equilíbrio e afins (Fagard e Cornelissen, 2007; Cornelissen et al., 2011; Vale et al., 2018).
Agora da próxima vez que me perguntarem onde estarei daqui a 30-40 anos posso não dar a resposta completa, mas com certeza estarei na sala de musculação ao lado dos jovens “trincados” não em busca do corpo perfeito ou de ser um idoso descolado, mas sim por saber que a musculação bem orientada e acompanhada por profissionais competentes pode ser bem melhor que a caminhada na pracinha do condomínio. E você? Já convidou a vovó para malhar hoje?
Referências
CORNELISSEN, V. A. et al. Impact of resistance training on blood pressure and other cardiovascular risk factors: a meta-analysis of randomized, controlled trials. Hypertension, v. 58, n. 5, p. 950-8, Nov 2011. ISSN 0194-911x.
FAGARD, R. H.; CORNELISSEN, V. A. Effect of exercise on blood pressure control in hypertensive patients. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil, v. 14, n. 1, p. 12-7, Feb 2007. ISSN 1741-8267 (Print)
GOFF, D. C. et al. 2013 ACC/AHA Guideline on the Assessment of Cardiovascular Risk. A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines, 2013. Disponível aqui.
KASSEBAUM, N. J. et al. Global, regional, and national disability-adjusted life-years (DALYs) for 315 diseases and injuries and healthy life expectancy (HALE), 1990–2015: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2015. The Lancet, v. 388, n. 10053, p. 1603-1658, 2016. ISSN 0140-6736.
MURRAY, C. J. et al. Global, regional, and national disability-adjusted life years (DALYs) for 306 diseases and injuries and healthy life expectancy (HALE) for 188 countries, 1990–2013: quantifying the epidemiological transition. The Lancet, v. 386, n. 10009, p. 2145-2191, 2015. ISSN 0140-6736.
NELSON, M. E. et al. Physical activity and public health in older adults: recommendation from the American College of Sports Medicine and the American Heart Association. Circulation, v. 116, n. 9, p. 1094, 2007.
PESCATELLO, L. S. et al. American College of Sports Medicine position stand. Exercise and hypertension. Med Sci Sports Exerc, v. 36, n. 3, p. 533-53, Mar 2004. ISSN 0195-9131 (Print)
VALE, A. F. et al. Acute effects of different resistance training loads on cardiac autonomic modulation in hypertensive postmenopausal women. v. 16, n. 1, p. 240, Aug 30 2018. ISSN 1479-5876.