Tópicos sobre o treinamento com oclusão vascular – Considerações gerais

Por Júlio Papeschi

7 de outubro de 2013

– Método idealizado pelo japonês Yoshiaki Sato na década de 60. Sato relata que após participar de uma missa budista, onde sentava sobre as pernas por um longo período, sentiu suas panturrilhas formigarem, percebendo um inchaço e queimação local. Enquanto massageava a região para amenizar o desconforto, relacionou essas sensações e sintomas semelhantes aos ocorridos em seus treinamentos com pesos, sobretudos os de panturrilha. Sato et al., 2005

– Em 1973, Sato sofreu um acidente esquiando, fraturando os tornozelos e lesionando o ligamento colateral medial do joelho direito. Recusando o tratamento cirúrgico recorreu aos métodos de oclusão vascular, e após duas semanas de imobilização sua musculatura havia hipertrofiado e com dois meses seus ossos estavam calcificados e seus ligamentos recuperados. Sato et al., 2005

– Posteriormente, o uso das manobras com oclusão vascular mostrou-se eficiente na diminuição da atrofia muscular em pacientes imobilizados decorrentes de intervenções cirúrgicas em relação a um grupo que não realizou o procedimento. Takarada et al.,. 2000

– Na década de 90, o japonês patenteou o treinamento com restrição do fluxo sanguíneo como Kaatsu Training no Japão, e depois em países como Itália, Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos. Sato et al., 2005

– Além de Kaatsu training, encontram-se outras nomenclaturas para a metodologia como treinamento com restrição do fluxo sanguíneo ou treinamento com oclusão vascular.

– Como procedimento, o Kaatsu training consiste em uma manobra na qual, se utilizando de fitas compressoras, aplica-se uma pressão pré estabelecida nas partes proximais dos membros, seguidas de intervalos de relaxamento. Tal técnica também pode ser utilizada com treinamentos de baixa intensidade. (Burgomaster et al., 2003)

– As pressões aplicadas nos membros podem ser parciais ou totais, variando de 10 mmHg até 300 mmHg e podem ser realizadas com ou sem o uso de exercícios.

– Na literatura científica encontram-se protocolos de Kaatsu training combinados com diversas atividades como ciclismo, remo, corrida, caminhada e treinamento com pesos. Resultados surpreendentes mostram que mesmo uma caminhada a 20% do Vo2 máx com oclusão vascular (“Kaatsu walk training”) pode promover aumento de massa muscular e força em indivíduos destreinados (Abe et al., 2006).

– A finalidade do método é promover alterações metabólicas locais (aumento no lactato, queda de ph, entre outras) sinalizando para o aumento da síntese de proteínas e/ou diminuição de vias de degradação protéicas, tendo como objetivo final o ganho de massa muscular e força.

– Outros benefícios atribuídos ao Kaatsu training são: a melhoria a sensibilidade a insulina, aumento da lipólise, emagrecimento, aumento da expressão de GH e IGF-1, aumento na formação de ossos, melhoria da função endotelial, entre outros. Fugita et al., 2007

– Sobre os caminhos que levam ao aumento da sinalização molecular para hipertrofia, Fugita et al., 2007, verificaram aumento expressivo na proteína S6 kinase como efeito agudo após um treinamento a 20% 1RM com oclusão vascular, indicando um aumento síntese protéica. Fugita et al., 2007

– Em um outro estudo com oclusão vascular, Loenneke et al.,. mostrou aumento na atividade de outras proteínas que participam diretamente na sinalização para hipertrofia como o complexo akt/mtor, proteínas de choque térmico, oxido nítrico sintetase, activina IIB e a miostatina, entre outras. (Loenneke et al., 2010)

– De maneira especial, trabalhos com oclusão vascular tem se mostrado eficientes em promover diminuição na expressão da miostatina, assim como no aumento da expressão de seus antagonistas, folistatina, gasp e smad tanto em termos agudos quanto crônicos. Drummont et al., 2008 Laurentino et al., 2012

– Outra explicação que boa parte dos autores utiliza para evidenciar os ganhos com a técnica é a do aumento nos níveis de Gh e Igf-1 circulantes. No entanto, o aumento dos hormônios parece ser uma resposta ao acúmulo de metabólitos e não um estímulo para que as células aumentem a produção de proteínas. Gentil 2011

– De maneira prática, na maioria dos estudos, os protocolos de compressão para membros superiores giram em torno de 110-130 mmHg e para membros inferiores usa-se pressão em torno de 180-200 mmHg embora existam vários outros formatos de utilização. Yasuda et al., 2008

– Em situações de redução de aporte de oxigênio e acúmulo de metabólitos o padrão de recrutamento de unidades motoras parece ser alterado levando ao recrutamento de unidades motoras grandes. Da mesma forma, fibras do tipo 2 são recrutadas simultaneamente a fibras do tipo 1 mesmo com um percentual de carga baixo. Esta maior ativação se deve ao acúmulo de metabólitos, em conjunto com a queda de pH e aumento da acidez, ativando metaborreceptores periféricos que estimulariam a via simpática nervosa. Yasuda et al., 2008

– Protocolos de treinamentos de força voltados para ganhos de força muscular e aumento na secção transversa indicam que a sobrecarga utilizada deva variar entre 65 e 90% de 1 RM. Em sua maioria , trabalhos realizados com oclusão vascular utilizam cargas entre 20 e 50% de 1RM e atingem resultados semelhantes aos protocolos com maior intensidade sem oclusão, cargas dificilmente produzem resultados significativos quando não há oclusão vascular. Karabulut et al.,, 2009

– A realização de contrações isométricas ou pequenas contrações onde a musculatura esteja em encurtamento podem favorecer o acúmulo de metabólitos e simular a prática do treinamento com garrotes. Contrações concêntricas e isométricas geram um maior acúmulo de metabólitos, portanto durante os treinamentos dar ênfase a estas fase pode ser interessante caso este seja o objetivo. Gentil P. (2011)

– Outro efeito interessante do treinamento com oclusão parece estar relacionado com os tendões. Síntese de colágeno nos tendões e redução da rigidez tem sido vistos após períodos de treinamentos de métodos onde o acúmulo de metabólitos tenha sido a principal estratégia de treinamento. Kubo et al.,. 2006; Yalamanchi et al.,. 2004; Klein et al.,. 2001

– A percepção subjetiva de dor relatada por indivíduos que se submetem ao treinamento com oclusão vascular com baixas cargas, não são diferentes dos indivíduos que realizam treinamento com cargas elevadas sem oclusão, porém ambos estatisticamente superiores aos trabalhos realizados com oclusão sem treinamento. Weatherholt et al., 2013

– Um estudo de Nakajima et al.,. 2006, demonstrarou que Kaatsu training é um método de treinamento seguro e podem ser aplicados em públicos de diversas idades, sexo e condições físicas. Com relação aos feitos colaterais da pratica de oclusão vascular com ou sem treinamentos adicionais, Nakajima e colaboradores mapearam mais de 12000 pessoas que receberam os procedimentos e menos do que 0,1% dos indivíduos apresentaram trombose, menos de 0,01% embolia pulmonar e rabdomiólise, sendo hematomas nos locais onde eram realizados os garrotes os principais efeitos colaterais dos treinando algo em torno de 13%. Nakajima et al., 2006 Karabulut et al., 2010

– Do ponto de vista cardiológico, o acúmulo de sangue no sistema venoso, resultado da manobra de oclusão, parece diminuir a pré-carga cardíaca durante o exercício, o que pode ser benéfica na reabilitação de pacientes com problemas cardíacos. Nakajima et al., 2006.

– Resultados interessantes são encontrados também em grupamentos musculares não submetidos diretamente a oclusão vascular como no estudo de Cook 2013, onde atletas obtiveram resultados significativos no aumento de força e potência submetidos a treinamentos de moderada intensidade com oclusão vascular com o supino, indicando que outros grupamentos musculares podem se beneficiar do método. Cook et al., 2013

– Alguns estudos têm mostrado que não só a hipoxia local, mas também a hipóxia sistêmica pode produzir alterações metabólicas e hormonais similares ao dos treinamentos com oclusão vascular em indivíduos submetidos a treinamentos de baixa intensidade. D'Hulst et al., 2013, kon et al., 2010, kon et al., 2012

– Outras aplicações estão sendo testadas como a utilização do método em astronautas visando minimizar a perda de massa muscular e óssea em indivíduos submetidos a um longo período de exposição a ausência de gravidade. Sato et al., 2005

Referências bibliográficas

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