Treinamento de Força, HIV/Aids: breves considerações

Por Victor Meloni

24 de outubro de 2004

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*Faculdade de Educação Física do UNIVAG-Centro Universitário

 

A composição corporal de indivíduos que se submetem a um regime de treinamento de força costuma sofrer alterações significativamente favoráveis. Dentre estas alterações estão o aumento da massa magra concomitante a uma redução da massa gorda (4), respostas positivas no perfil lipídico como redução na concentração da fração LDL do colesterol e de triglicérides ao mesmo tempo em que se verifica um aumento na concentração do colesterol HDL (4). Todavia, em algumas situações especiais, como é o caso de indivíduos portadores de HIV/aids, qual seria o papel dos exercícios de força?

 

HIV/Aids e alterações metabólicas

A Aids é uma síndrome que afeta basicamente o sistema imune dos indivíduos infectados, deixando-os mais suscetíveis à doenças oportunistas. Vários indícios apontam o vírus HIV como o causador da Aids embora existam no mundo mais de 4.000 casos onde a doença não estava associada a ele (2).

O indivíduo pode portar o vírus HIV, mas não manifestar a doença, tendo uma vida normal. Não se sabe, ainda, as verdadeiras causas pelas quais o individuo revela ser soropositivo, sem manifestar a síndrome da imunodeficiência adquirida, ou SIDA (nome pelo qual a Aids é conhecida no Brasil). Entretanto, uma vez manifestada a doença, o organismo passa a sofrer uma série de alterações desfavoráveis, comprometendo decisivamente a qualidade de vida das pessoas infectadas. Dentre estas mudanças, observa-se uma acentuada redução da massa magra, mais especificamente da massa muscular, ao mesmo tempo em que se verifica um aumento da quantidade de gordura corporal (3,6). A redução da massa muscular interfere negativamente nas capacidades funcionais, uma vez que se observa um considerável declínio da força e até mesmo alterações no metabolismo ósseo, levando ao desenvolvimento de processos osteopênicos e osteoporóticos o que aumentam a suscetibilidade à fraturas (1,10).

Os tratamentos atuais avançaram de maneira significativa, sobretudo após a descoberta dos retrovírus (vírus que usam o RNA como molde para síntese de DNA) e a introdução das terapias anti-retrovirais (8), que interrompem a replicação do vírus a um estágio mais avançado. Todavia, este novo procedimento trouxe um problema, uma vez que os pacientes passaram a desenvolver uma síndrome conhecida por lipodistrofia, caracterizada por uma redistribuição do tecido adiposo para áreas distintas, como abdômen e tronco (10,12), reduziu-se a aderência às terapias anti-retrovirais. Junto a estas alterações, observa-se algumas disfunções no perfil lipídico destes pacientes, como a dislipidemia (aumentos significativos na concentração de colesterol LDL e triglicérides), sendo que estes fatores aumentam sobremaneira a probabilidade do desenvolvimento de doenças do sistema cardiovascular em indivíduos sob tratamento de drogas anti-retrovirais (5,16). Pouco se sabe sobre as causas, o tratamento e prevenção da lipodistrofia, no entanto, múltiplos fatores podem contribuir para o surgimento desta síndrome, como a infecção pelo HIV e a terapia anti-retroviral (5). 

 

Treinamento de força – HIV/Aids

Há várias pesquisas demonstrando a necessidade da atividade física como parte do tratamento de indivíduos com HIV/Aids (14). Neste sentido, os exercícios de força podem ser de importante relevância na prevenção da perda de massa magra e força (6,17). Rigsby e et al (11) demonstraram que um regime de treinamento de força, associado a exercícios aeróbios e de flexibilidade, produziu aumentos significativos na força muscular de indivíduos com HIV/Aids, não sendo verificada nenhuma reposta negativa do sistema imune. De fato, o treinamento de força parece produzir alterações favoráveis na massa magra e capacidades funcionais destas pessoas (3,19). Mesmo no tratamento da lipodistrofia, os exercícios de força têm mostrado produzir resultados favoráveis, como a redução do tecido adiposo e redistribuição da gordura da região abdominal e tronco (12,13) e até mesmo na redução dos níveis de triglicérides alterados pela terapia anti-retroviral (18). Terapias que associam exercícios de força à administração de esteróides anabólicos androgênicos (EAAs) também vêm demonstrando grande importância para prevenir a redução de massa magra, e até mesmo para promover seu aumento, com ganhos variando de 1,2kg à 3,34kg (9). Dislipidemias associadas ao uso de EAAs também são observadas na terapia anti-retroviral, sendo que neste ultimo caso não se observam os efeitos favoráveis sobre a massa magra (15). De fato, a grande maioria dos estudos aponta para a necessidade da inclusão do treinamento de força nas terapias que visam melhorar a qualidade de vida de pessoas com HIV/Aids (7).

 

Conclusões

Recentes evidências têm demonstrado que os exercícios de força muscular são fundamentais no tratamento de indivíduos com HIV/Aids, uma vez que ajudam a combater a redução da massa magra e das capacidades funcionais, assim como aumentos significativos na força muscular. O treinamento de força mostrou-se eficiente também no combate à síndrome conhecida como lipodistrofia, que se caracteriza por uma redistribuição da gordura periférica às regiões do abdômen e tronco.  Esta patologia está intimamente ligada ao uso de drogas anti-retrovirais e a alterações do perfil lipídico, como hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia, o que implica em riscos ao sistema cardiovascular. A associação do treinamento de força ao uso de esteróides anabólicos androgênicos também vem sendo uma das muitas formas de tratamento dos quadros de desnutrição observados nestes casos. Todos estes aspectos contribuem significativamente para melhora da qualidade de vida destes indivíduos, fazendo crer que a inclusão do treinamento de força nos casos de HIV/Aids é uma das decisões mais acertadas.

 

Referencia Bibliográficas:

  1. Carr A; Miller J; Eisman JA; Cooper DA. Osteopenia in HIV-infected men: association with asymptomatic lactic acidemia and lower weight pre-antiretroviral therapy. AIDS; 15(6):703-9, 2001
  2. DIEGUEZ, Flavio. O HIV é inocente? Superinteressante. São Paulo: Editora abril, nº 12, pp 54, Dezembro, 2000.
  3. Evans WJ; Roubenoff R; Shevitz A. Exercise and the treatment of wasting: aging and human immunodeficiency virus infection. Semin Oncol; 25(2 Suppl 6):112-22, 1998.
  4. Fleck, Steven J; Kraemer, William J. Fundamentos do Treinamento de Força Muscular. 2º ed. Porto Alegre. Artmed, 1999.
  5. García-Viejo MA; Ruíz M; Martínez E. Strategies for treating HIV-related lipodystrophy. Expert Opin Investig Drugs; 10(8):1443-56, 2001
  6. Grinspoon S; Mulligan K. Weight loss and wasting in patients infected with human immunodeficiency virus. Clin Infect Dis; 36(Suppl 2):S69-78, 2003.
  7. Hansen BR; Haugaard SB; Iversen J; Nielsen JO; Andersen O. Impact of switching antiretroviral therapy on lipodystrophy and other metabolic complications: a review. Scand J Infect Dis; 36(4):244-53, 2004.
  8. Hoffman, Christian. Terapêutica Antiretroviral. Perspectiva. Disponível em . Acesso em 05/10/2004. 
  9. Kong A; Edmonds P. Testosterone therapy in HIV wasting syndrome: systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis; 2(11):692-9, 2002
  10. Kotler DP. Body composition studies in HIV-infected individuals. Ann N Y Acad Sci; 904:546-52, 2000
  11. Rigsby LW; Dishman RK; Jackson AW; Maclean GS; Raven PB. Effects of exercise training on men seropositive for the human immunodeficiency virus-1. Med Sci Sports Exerc; 24(1):6-12, 1992.
  12. Roubenoff R; Weiss L; McDermott A; Heflin T; Cloutier GJ; Wood M; Gorbach S. A pilot study of exercise training to reduce trunk fat in adults with HIV-associated fat redistribution. AIDS; 13(11):1373-5, 1999
  13. Roubenoff R; McDermott A; Weiss L; Suri J; Wood M; Bloch R; Gorbach S. Short-term progressive resistance training increases strength and lean body mass in adults infected with human immunodeficiency virus. AIDS; 13(2):231-9, 1999b.
  14. Scevola D; Di Matteo A; Lanzarini P; Uberti F; Scevola S; Bernini V; Spoladore G; Faga A. Effect of exercise and strength training on cardiovascular status in HIV-infected patients receiving highly active antiretroviral therapy. AIDS; 17 Suppl 1:S123-9, 2003
  15. Strawford A; Barbieri T; Van Loan M; Parks E; Catlin D; Barton N; Neese R; Christiansen M; King J; Hellerstein MK. Resistance exercise and supraphysiologic androgen therapy in eugonadal men with HIV-related weight loss: a randomized controlled trial. JAMA; 281(14):1282-90, 1999 

 

  1. Weber K; Heiken H; Stoll M; Schmidt RE; Behrens G. Lipodystrophy syndrome. Therapeutic progress is still pending. MMW Fortschr Med; 145 Spec No 1:28-32, 2003.
  2. Yarasheski KE; Roubenoff R. Exercise treatment for HIV-associated metabolic and anthropomorphic complications. Exerc Sport Sci Rev; 29(4):170-4, 2001
  3. Yarasheski KE; Tebas P; Stanerson B; Claxton S; Marin D; Bae K; Kennedy M; Tantisiriwat W; Powderly WG. Resistance exercise training reduces hypertriglyceridemia in HIV-infected men treated with antiviral therapy. J Appl Physiol; 90(1):133-8, 2001
  4. Zinna EM; Yarasheski KE. Exercise treatment to counteract protein wasting of chronic diseases. Curr Opin Clin Nutr Metab Care; 6(1):87-93, 2003

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