Treinamento Resistido, amigo do peito?

Por Arthur Vale

25 de setembro de 2018

Apesar do Treinamento Resistido (TR) ser amplamente divulgado como uma prática exclusiva para obtenção do ganho de força e massa muscular, geralmente nos esquecemos de sua importância fora do ambiente das academias e salas de musculação. Além dos ganhos já mencionados de massa e força muscular o TR vem sendo aplicado para outras situações como auxiliar no tratamento e prevenção de doenças cardiovasculares, pacientes com sobrepeso e obesidade, diabéticos, recuperação de pacientes pós-quimioterapia e diversas outras doenças, fazendo com que a prática regular dessa atividade vá muito além dos parâmetros estéticos e de corpo ideais pregados hoje (Pescatello et al., 2004; Fagard e Cornelissen, 2007).

No entanto, fazer com o que TR seja a solução para todos os problemas de saúde que enfrentamos ao longo da vida seria uma alternativa muito fácil. Imaginem frequentar a academia 3-4 vezes por semana durante 30 minutos e sair de lá com o “shape” em dia e ainda se prevenir de todas as doenças? Seria o milagre da sociedade moderna. Mas como nem tudo é sobre sonhos e fantasias, temos que nos atentar às comprovações científicas. Vemos que com o crescimento pela busca de um estilo de vida “saudável” houve uma banalização do TR. É muito comum presenciar nas academias uma prática equivocada da musculação desconsiderando suas variáveis. Pessoas executando movimentos que desafiam as leis da física, descansando mais ou menos tempo do que deveriam, levantando cargas inadequadas, dentre outras aberrações que vemos diariamente. Essa prática banalizada traz problemas não só no âmbito estético (não atingir o tão sonhado abdome tanquinho) como o principal: colocar a saúde do praticante em risco.

Assim como qualquer outra modalidade de atividade física o TR deve ser estudado e analisado em todas as suas variáveis (biomecânica envolvida na execução, carga, velocidade, volume de treino, número de exercícios, tipos de exercícios e afins), e sempre respeitando a individualidade do praticante, afinal de contas, o que vale para alguns pode não valar para outros. Neste sentido outro ponto chave que deve ser analisado durante a prática do TR é a segurança cardiovascular já que existe uma linha tênue entre o que pode prevenir as doenças cardiovasculares e o que pode favorecer o seu surgimento. Avaliar e analisar parâmetros cardiovasculares durante a prática do TR é necessário para garantir o conforto e principalmente a segurança do praticante fazendo com que ele obtenha os benefícios máximos da atividade sem colocar sua saúde em risco.

Atualmente o exercício aeróbico de moderada intensidade é a principal modalidade de exercício sugerida pelas diretrizes internacionais para promoção da saúde cardiovascular (Pescatello et al., 2004; Mancia et al., 2014) e sua prática tem sido o foco de grande parte dos estudos principalmente para a redução dos fatores de risco. No entanto, há evidências para suportar que o TR também promova reduções nos fatores de risco cardiovascular com diminuição da pressão arterial de repouso (Cornelissen e Fagard, 2005; Cornelissen et al., 2011; Rossi et al., 2013).

Além de promover a redução dos fatores de risco cardiovascular o TR traz diversos benefícios na saúde metabólica, na capacidade funcional e na composição corporal (Braith e Stewart, 2006). Esta informação torna-se importante, já que apesar da American Heart Association e do American College of Sports Medicine aprovarem a inclusão do TR como parte integrante de um programa de exercícios para a promoção da saúde e prevenção das doenças cardiovasculares o TR ainda é subvalorizado nas prescrições principalmente com relação ao uso correto de todas as suas variáveis (Cornelissen et al., 2011).

A prescrição do TR recomendada para alteração dos fatores de risco cardiovascular é de TR de moderada intensidade utilizando baixas cargas e alto número de repetições, com frequência de 2 e 3 vezes por semana, de 8 a 10 exercícios que envolvam os principais grupos musculares por meio de 1 a 3 séries de 12 a 15 repetições submáximas (Cornelissen et al., 2011). No entanto estudos recentes tem demonstrado que executar o TR com alto número de repetições e baixa carga pode gerar maior estresse cardiovascular e desconforto no praticante, incluindo em populações com alguma doença cardíaca já estabelecida como a hipertensão (Fisher e Steele, 2017; Vale et al., 2018).

Neste sentido os resultados globais da maioria dos estudos sugerem que o TR promove pequenas reduções da pressão arterial. Embora essas pequenas reduções após TR, como as encontradas no estudo de Kelley e Kelley (2000) podem fazer diferença na redução da morbidade e mortalidade por doença cardiovascular (Kelley e Kelley, 2000) e diminuição do risco de acidente vascular cerebral e doença coronária (Collins et al., 1990).

No entanto existe uma grande variação na prescrição das variáveis de volume e intensidade do TR (carga, series, repetições, exercícios, dias por semana, etc) demonstrando a falta um protocolo ideal que promova os resultados desejados com o treinamento sem prejudicar a saúde cardiovascular. A ineficiência da prescrição e do controle das variáveis de volume e intensidade dos protocolos de TR dos estudos até aqui, pode ser uma das causa dos desfechos com pequena ou nenhuma redução da pressão arterial de repouso em longo prazo.

Em suma podemos concluir que o TR pode ser uma alternativa segura em relação aos parâmetros cardiovasculares desde que avaliados suas inúmeras variáveis e combinações possíveis de forma individualizada e não generalizada como ocorre atualmente. Ao prescrever o TR os profissionais devem se atentar não somente a planilha de série-carga-repetições e sim em como a prática dessa modalidade vai afetar o praticamente, pontuando todas as situações possíveis.

Referências

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